Os homossexuais nunca estiveram tão à vontade em sua condição pessoal, sem vergonha de ser quem são e sem receios de mostrar a cara para manifestar-se pelo reconhecimento do poder de constituir família e de ter acesso a benefícios assistenciais e previdenciários, entre outros direitos que assistem ao cidadão brasileiro mas que lhes foram negados ao longo da história. A justiça, a opinião pública e, em menor parcela, os governos, deram abertura a essa mudança de comportamento, fazendo com que ao menos um grupo se sentisse no dever de atuar em contraponto, lutando pela manutenção dos valores morais vigentes: os evangélicos.
No vácuo de outras religiões, que se omitem, evitando manifestar-se sobre o tema polêmico, igrejas evangélicas tomaram para si o papel de guerrilheiros ideológicos. Em nome dessa missão autoproclamada, os petencostais “saíram do armário”, sem temor de, a despeito de valores inerentes ao Cristianismo, se mostrarem intolerantes e de se organizarem para defender a supressão dos direitos de uma minoria.
Como os gays, porém no lado oposto, os evangélicos nunca estiveram tão convictos de seus ideais. Por isso, também mobilizaram sua militância, empunharam suas bandeiras e provocaram o confronto. As ruas foram palco dessa batalha. De um lado, temos a turma do arco-íris nas “paradas gays” - festivas, mas que têm como pano de fundo a defesa de direitos. Do outro, os evangélicos nas marchas para Jesus, protestando contra o Projeto de Lei 22 (que visa criminalizar a homofobia). Mesmo os mais diplomáticos não têm como negar: o embate foi claramente estabelecido.
Mas essa parcela dos religiosos não quer apenas que permaneçam impunes os atos de discriminação contra homossexuais (o que buscam garantir na mobilização para reprovar o PL 22). Eles vão além, atuando principalmente na trincheira onde têm mais força: a política. Em 2011, a bancada evangélica no Congresso Nacional jogou pesado para impedir a distribuição do kit anti-homofobia nas escolas públicas, ameaçando a presidente Dilma Rousseff de minar a candidatura do petista Fernando Haddad, então ministro da Educação, à prefeitura de São Paulo. Mirou precisamente, barrou a distribuição do material e ainda levou como bônus na negociata a indicação do pastor e deputado Marcelo Crivella para ministro da Pesca.
Mais recentemente, em abril, a bancada evangélica deu um passo arriscado em direção ao rompimento da independência entre os poderes, ao conseguir aprovar previamente uma proposta de emenda constitucional que permite ao Congresso sustar decisões do Judiciário – uma resposta às deliberações do Supremo Tribunal Federal que reconhecerem a união estável homossexual e legalizaram o aborto de fetos anencéfalos, entre outras pautas recentes. Nisso, teve apoio dos congressistas católicos.
A última do cerco da bancada de cristãos veio com a apresentação de um projeto de lei que interfere no Conselho Federal de Psicologia, mudando o teor de uma resolução de 1999 e autorizando os psicólogos a tratarem o homossexualismo como um distúrbio, o que se convencionou chamar jocosamente de “cura gay”.
Uma coisa é certa: os evangélicos estão atuando em nome de suas convicções e têm pleno direito de fazê-lo, da mesma forma que a Igreja Católica teve séculos atrás, quando instituiu a Santa Inquisição. Mas ficam as perguntas: no decorrer de suas atitudes, até que ponto os evangélicos pretendem chegar? No futuro, ao olharmos para esse momento de nossa história, qual será nossa avaliação?
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