A decisão do STF em abrir acatar o pedido do Ministério Público Federal e abrir processo para apurar as responsabilidades do senador João Ribeiro(PR), nas práticas irregulares e ilegais que foram detectadas por uma equipe conjunta de fiscalização na fazenda Ouro Verde, que era de sua propriedade em 2004, repercute desde ontem nos principais meios de comunicação do País.
Não é para menos. A simples menção da expressão “trabalho escravo” causa arrepios e movimenta as redes sociais numa avalanche de questionamentos e acusações. Muitas delas feitas no quente da emoção, e motivadas pelo que se ouviu dizer.
O fato é que é preciso ir devagar nas tintas que carregam esta acusação. Por vários motivos. O primeiro está explícito no voto técnico - e não político – dado pelo ministro Gilmar Mendes ao devolver o processo. As exigências imensas para o empregador rural fogem à realidade brasileira. A legislação por outro lado é bem ambígua ao tratar “trabalho escravo”. Aliás, o nome nem é esse. É “reduzir trabalhadores à condições análogas à de escravo”. E o que de fato é isto?
O que é trabalho escravo, afinal
A melhor definição nos dias atuais para caracterizar este crime, é o ato do empregador em impedir o direito de ir e vir do empregado. Os meios são diversos. Acorrentar, prender, ou ainda submeter o trabalhador à fiscalização mediante emprego de armas e força física caracteriza sem sombra de dúvidas o trabalho escravo.
Pois bem. Não era isto o que ocorria na Ouro Verde, segundo a própria fiscalização que lá esteve, numa atuação espetacular de forças conjuntas como a equipe do Ministério do Trabalho do Pará, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal.
Segundo consta no inquérito quando a equipe chegou, provocada ao que se afirma, por um trabalhador que reportou situação degradante à Comissão Pastoral da Terra em Araguaína (Rosevan) haviam 38 trabalhadores. Três deles se encontravam lá há mais de um mês. O que obrigaria o proprietário a assinar suas carteiras.Os outros estavam cada um em perído inferior.
O trabalho braçal havia sido encomendado por um terceiro, Osvaldo Brito Filho, a pedido do senador. Era a típica e conhecida empreita, pela qual se combina um serviço e se paga um valor, no Brasil inteiro, sem que o dono da terra assine carteira. Está errado, à luz da legislação? Sim. Mas isso é trabalho escravo? Não.
Questões para o processo responder
Daí tem as outras questões. Onde dormiam os trabalhadores? Num barraco improvisado perto da área a ser roçada. Apesar de haver uma casa/sede na fazenda. No inquérito preliminar a defesa do senador afirma que a casa estava á disposição dos trabalhadores e é a mesma onde ele se hospedava quando estava na propriedade. Os trabalhadores encontrados para testemunhar confirmaram. Mas para o MPF esta versão não convence. É condição degradante.
Outros complicadores para o senador: a água oferecida não seria potável. A fiscalização desconsiderou as garrafas térmicas com água. E considerou o córrego lá perto como a fonte da qual se utilizavam os trabalhadores.
Finalmente, tem as dívidas. Segundo acusa o MPF elas é que impediam os trabalhadores de ir e vir, já que não havia capataz armado, nem correntes, nem cordas, nem nada daquilo que nos acostumamos a ver nos filmes, novelas e livros de história ilustrando a escravidão.
A maior dívida que um trabalhador tinha no caderno de anotações da cantina da fazenda era R$ 17,00. Isso em 2004, quando a diária combinada era R$ 18,00. Será que isto é dívida suficiente para impedir os trabalhadores de retornarem de bicicleta, ou a pé para o povoado mais próximo distante 6 quilômetros da fazenda? Não sabemos, nem podemos afirmar.
Mas para responder estas e outras questões é que sete dos ministros do Supremo acataram a denúncia. Consideraram que existem indícios fortes de práticas ilegais, e que precisam ser apurados. Três sequer receberiam a denúncia, o que é um número significativo por que mostra entre outras questões apontadas no voto de Gilmar Mendes, alguns absurdos da legislação brasileira.
A exigência de banheiro químico, ou fossa no meio do cerrado onde vão os trabalhadores rurais para roçar pastos ou fazer cerca é uma piada de mau gosto. Por estas e outras as casas do programa Minha Casa, Minha Vida Rural da presidenta Dilma não avançaram: custam mais caro que as da cidade, por conta das exigências que as construtoras têm que atender no campo. E lá é uma casa aqui, outra num espaço de quilômetros. Imaginem só.
Apurar primeiro, condenar depois
O Ministério Público Federal é hoje uma das instituições mais respeitadas do Brasil, pela atuação que faz na defesa do patrimônio público e sua aplicação correta, do meio ambiente, dos direitos humanos. E deve seguir cumprindo o seu papel. Sou absolutamente contra o trabalho escravo, o tráfico de mulheres, a comercialização de bebês. Todos crimes que afrontam a humanidade.
O que é importante e indispensável, é que os fatos sejam apurados primeiro e a condenação feita depois.
No caso do senador João Ribeiro, não é um processo rápido, nem fácil, por que esbarra na burocracia na oitiva de testemunhas, na montoeira de papéis e exigências a serem atendidas.
Como aquele outro, por peculato, do qual ele provavelmente será inocentado, já que o laudo pericial determinado pela ministra Ellen Gracie antes de se aposentar, já foi concluído na documentação contábil da prefeitura de Araguaína (da época em que o senador foi prefeito da cidade). De 43 itens periciados nenhum sequer aponta responsabilidade de Ribeiro no crime que lhe foi atribuído. O laudo ficou pronto há um mês. A ministra se aposentou em agosto do ano passado. Ficará a cargo do Ministério Público pedir o arquivamento do processo, já que não há culpa. Quando isso acontecerá? Ninguém sabe.
Até lá, Ribeiro estará com o nome a foto estampada nas manchetes de jornais, como suspeito disto, e suspeito daquilo. Se for culpado,e pelo que for culpado, saberemos daqui há no mínimo dois e no máximo quatro anos, estimam especialistas. Mas até lá arrastará a pecha de ser um senhor de escravos em pleno século 21.
O que de cara, já está claro, que é uma enorme injustiça.
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