O curso de Jornalismo foi criado na década de 60 como uma forma de controle do regime militar no Brasil, na tentativa de calar uma imprensa que já existia, sem a chancela da universidade. Não se tratava ainda, de necessidade de formação profissional. Os grandes jornalistas brasileiros – gente que praticamente inventou o jornalismo – não eram formados. A necessidade de levar a notícia, a liberdade de expressar opinião, a avidez do leitor pela informação é que foram moldando os jornais e a forma de “fazer notícia” antes ainda do surgimento da TV como veículo de comunicação.
Foi nesta época, pré-golpe, que ficou no imaginário popular a imagem do jornalista como um ser revolucionário, contestador, investigativo. Quando eu comecei, jovem e cheia de sonhos lá no interior de Goiás, ser jornalista ainda era sinônimo de idealismo, de gostar de ler, de ter senso de justiça social, e estar apto a escrever em língua portuguesa. Mas com o passar dos anos e a inovação tecnológica o tempo do jornalismo poético acabou.
Já se passaram 24 anos desde que consegui - a duras penas - meu primeiro emprego num jornal. Na minha cidade não tinha o curso de jornalismo, então fui fazer outro, pedagogia. De lá para Goiânia e para os bancos do antigo ICHL - Instituto de Ciências Humanas e Letras, gastei quatro anos. Já era sub-editora da Folha do Sudoeste quando deixei o interior rumo à capital, onde consegui – sem diploma – uma vaga no Diário da Manhã.
Mas não se trata aqui de contar uma história pessoal, embora uma verdadeira revolução acadêmica e de mercado tenha ocorrido nos últimos 40 anos no Brasil transformando a vida das pessoas que se dedicaram à informação como ofício. Muitos bons e antigos jornalistas sem diploma foram atropelados por ela. Com a proliferação dos cursos de jornalismo, e depois com a abertura política, os sindicatos foram chegando para garantir além de condições de trabalho e salário, uma coisa chamada “reserva de mercado”. E foi aí que a briga entre formados e não formados começou.
No interior do Brasil, pouca coisa mudou quando se fala em oferta de vagas nas universidades para o curso de Jornalismo. Quando existem, são ofertadas por universidades pagas. A universidade pública e gratuita entrou num processo de falência, e continuam concentradas nas grandes cidades. Falar em obrigatoriedade do diploma no Rio, em São Paulo, e na maior parte das capitais brasileiras é fácil. Mas e o jornalismo no interior do Brasil? Ainda não é possível exigir que ele seja feito por jornalistas graduados.
Ainda hoje, os “filhos das classes trabalhadoras” - a UFG me ensinou muito de Karl Marx no fim da década de 80 – precisam trabalhar e estudar para se formarem. Isso quando conseguem vagas na universidade pública e gratuita. A maioria enfrenta grandes dificuldades para concluir qualquer curso superior porque são empurrados pelos filhos da classe média e alta para as universidades particulares da vida.
Vi o movimento da UNE esta semana pelo fim do vestibular. No mundo ideal vestibulares realmente não devem mesmo existir. O Estado tem que garantir vagas no ensino superior – para os cursos em geral - a todos os que terminam o ensino secundário. No Brasil que eu ainda quero ver, a educação precisa ser de qualidade. Para que médicos saiam da universidade aptos a clinicar. Advogados não sejam reprovados seguidamente em exames da ordem, e jornalistas formados saiam da universidade sabendo, no mínimo, escrever em português.
Sou a favor da formação do profissional. Da melhoria dos cursos de jornalismo. Da organização de um conselho federal para a categoria. Mas contra a obrigatoriedade da exigência do diploma específico de jornalista para o exercício de várias funções ligadas à comunicação.
A Fenaj e os sindicatos precisam reconhecer os milhares de bons jornalistas sem diploma de jornalismo espalhados pelo interior do Brasil. Eles foram forjados na lide diária, aprenderam a escrever nas redações e o caráter de cada um deles não merece maior julgamento do que qualquer outro que passou pela universidade. Afinal, ética não é apenas uma disciplina, e não é possível adquiri-la na escola.
É preciso abrir diálogo com os que estão no mercado - a maioria já embranquecendo os cabelos, e sem a menor chance de concorrer com as crias de cursinhos para passar num vestibular - é preciso criar com eles uma forma de transição. O bom combate em favor da categoria vai além de fechar as redações para economistas, advogados, artistas e produtores culturais (os melhores editores de Caderno 2 que eu conheço). Para combater a falta de profissionalismo, é preciso capacitar o jornalista mal formado, afinal este, sindicato nenhum vai tirar do mercado: a universidade o endossou quando permitiu que saísse de lá com um diploma na mão.
O bom debate implica em que os jornalistas – por dever de ofício – lutem também pela qualidade do ensino superior, pelo fim do sistema excludente de acesso à universidade, pela defesa da língua portuguesa. Vamos sim regulamentar a profissão. Mas sem fechar os olhos para uma realidade que convive conosco diariamente.
Eu respeito os colegas sem diploma. Até por que não esqueci a cota de discriminação sofrida nos últimos anos em que atuei no interior do Brasil – em lugares onde poucos queriam ir - buscando a duras penas sobreviver, e conquistar a chancela do MEC: jornalista profissional. Um caminho que fiz dentro das redações, aprendendo e ensinando muita gente hoje conceituada, a escrever.
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