A solidão cercada de gente: o vazio emocional do nosso tempo

Vivemos a era do excesso de conexões digitais e da escassez de vínculos reais — e o preço disso está sendo cobrado na alma

Crédito: Divulgação

Não é novidade que estamos atravessando uma crise profunda de solidão e de vazio emocional. Mas não estamos falando da solidão de quem está fisicamente sozinho. Trata-se de uma solidão mais cruel: aquela que persiste mesmo em meio a outras pessoas — em casa, com a família, no trabalho ou nas redes sociais. Estão todos ali, mas cada um imerso em seu próprio mundo, preso à sua tela, sem tempo, sem afeto, sem escuta.

 

A pandemia nos deixou muitas marcas. Além das perdas humanas, ela escancarou e aprofundou o distanciamento emocional. O mundo on-line se tornou refúgio, e o isolamento pessoal, um hábito. Aquilo que deveria ser exceção se tornou cotidiano.

 

Diante desse buraco emocional, muitos buscaram alternativas de preenchimento. Os pets, por exemplo, passaram a ocupar um lugar central na vida de milhões de pessoas. Cada vez mais vemos famílias com menos filhos e mais animais de estimação. A indústria pet cresceu como nunca — reflexo direto de uma sociedade que, muitas vezes, substitui o convívio humano por relações com seus bichinhos. E sim, o carinho com os animais é valioso. Mas não pode ser usado como substituto das relações humanas. O afeto com os semelhantes continua sendo insubstituível.

 

Agora, um novo fenômeno chama atenção: os bebês reborn. Bonecas hiper-realistas, cuidadas como se fossem bebês de verdade. As bonecas sempre fizeram parte de nossas infâncias — tivemos épocas marcadas por Amiguinha, Tagarela, Lu Patinadora, Susi, Barbie, Bob, e tantos outros. Mas os tempos mudaram. Hoje, não estamos apenas falando de brinquedos modernos. Estamos diante de um sinal de alerta.

 

A popularização dos bebês reborn revela um adoecimento emocional generalizado. Estamos diante de uma verdadeira pandemia de doenças da alma. Pessoas confundem bonecos com seres humanos, revelando carências profundas, traumas não tratados, um isolamento afetivo alarmante. E, infelizmente, do outro lado, assistimos ao deboche, à criação de memes, à zombaria pública — reflexo da falta de empatia e da incapacidade de enxergar a dor alheia com compaixão.

 

Vivemos também a infantilização nas redes sociais: figuras públicas, políticos e influenciadores sendo representados como crianças, distorcendo o senso de maturidade e responsabilidade. Tudo vira entretenimento raso. Tudo é piada.

 

Observar esse cenário causa tristeza e preocupação. Para onde estamos indo? A tecnologia, criação humana, deveria ser ferramenta de aproximação. Mas como a temos utilizado? Estamos promovendo o encontro ou aprofundando o abismo?

 

E onde está o respeito? Onde está a escuta? Que processo é esse de adoecimento emocional coletivo, no qual os sintomas e as doenças da alma se espalham com tamanha velocidade?

 

Precisamos refletir. Urgentemente.


O que estamos fazendo com as nossas relações? Com o nosso tempo? Com o nosso afeto?

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