Alma de pássaro-preto

Um dia ouvi: "Sou um pardal com alma de pássaro -preto". Achei lindo! Sou um pouco assim também. Para quem não entende nada de pássaros...O pardal é um pássaro de cidade enquanto o pássaro -preto, amante dos campos....

Tudo isso para falar da maravilhosa matéria do Fantástico domingo, dia 29, sobre a merenda escolar em Cavalcante, nordeste de Goiás.

Para quem não assistiu, Marcelo Canellas mostra a árdua trajetória de crianças que atravessam o cerrado para chegar a uma escola rural. Levanta a questão da evasão escolar quando a merenda acaba. Mostra a determinação de professores e merendeiros que chegam a atravessar rios e correntezas para levar educação e alimentação a um grupo de crianças, muito, muito longe da cidade.

Enquanto assistia, me lembrava da primeira redação de vestibular que fiz, tentando uma vaga na Universidade Federal de Goiás. O tema era o êxodo rural. Era início da década de 80. Não sabíamos no que ia dar, mas não imaginávamos tantos problemas.

Já dizia nossa sábia quebradeira de coco, Dona Raimunda: “muito melhor ser pobre no mato do que miserável nas favelas”.

E é esse o ponto de vista que defendo. Muitas vezes se mostra a vida rural como uma aberração. Ora, é apenas uma opção. Viver na zona rural é delicioso. Saudável. Para as crianças pode não ter a alta tecnologia dos vídeos games, mas tem a arte de brincar nas árvores, de andar a cavalo, de correr atrás de galinhas e porcos. Lá não tem Mac Donald, mas também não tem crack.

O que não podemos aceitar é a fome no campo. E isso é responsabilidade do poder público. É hora do anti-êxodo rural. De incentivar o caminho de volta. Não é querer transformar o rural no urbano, mas oferecer aquilo que é essencial para uma vida digna. Oferecer a possibilidade de opção. A opção de sair de uma favela. De trocar o som de tiros pelo canto dos pássaros. De comer o que se planta e beber da onde a água brota.

Cabe sim ao poder público manter bem as escolas rurais . Não faz mal ser de taipa, ou coberta com folha de coco (é até mais fresco). Quem é da roça não liga prá isso não. Mas é preciso ter livros, ter bons professores, ter uma merenda saudável para completar aquela feita num fogão a lenha.

Afinal, quem tem alma de pássaro-preto não quer ser ou virar pardal. Só quer um bom lugar para viver e cantar.

 

Comentários (0)