Criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios

No momento em que as atenções se voltam para a possibilidade de incorporação do distrito de Luzimangues a Palmas, o advogado, Marison Rocha, especialista em Direito Municipal, coloca em discussão em seu artigo a criação, incorporação, fusão e desmemb...

A Constituição Federal de 1988 inaugurou profundas inovações institucionais. Dentre as mais expressivas esta a elevação dos municípios à condição de ente federado, que passou a desfrutar de autonomia política, administrativa, financeira e normativa.

Junto com o status singular de unidade federativa, o próprio processo de criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios foi abrandado, passando aos estados federados a prerrogativa de estabelecerem normas visando a esse fim, diferentemente do que ocorria anteriormente quando a União emitia as regras, bem mais rígidas, o que tornava mais rigoroso todo o processo. A propósito, segue o teor da regra constitucional a esse respeito:

“Art. 18. (...)

§ 4° A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios preservarão a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano, far-se-ão por lei estadual, obedecidos os requisitos previstos em lei complementar estadual, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, as populações diretamente interessadas.”

Como se observa, o texto constitucional dava total autonomia aos Estados para criarem, incorporarem, fundirem e desmembrarem municípios em seus territórios, exigindo apenas os seguintes requisitos: lei complementar estadual estabelecendo as regras para tal fim, plebiscito e lei ordinária para regulamentar a cisão.

Houve uma explosão assustadora de municípios observada no período pós-88. Somente na década de 1990 foram criados 1.243 novos municípios, a maioria deles sem quaisquer condições econômicas para o desenvolvimento urbano e melhoria da qualidade de vida de sua população. Diante da baixa sustentabilidade econômica, é natural a dependência desses municípios das transferências da União através do Fundo de Participação dos Municípios – FPM.

No auge da proliferação de novos municípios, impulsionada em sua maior parte por interesses eleitoreiros e favorecida pelos critérios brandos das leis estaduais no processo de criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios, foi editada a Emenda Constitucional nº 15/96, alterando-se o § 4°, art.18, do texto original da Carta Política de 1988. A depender de lei complementar, o texto da referida emenda constitui-se atualmente num verdadeiro entrave à criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios, tendo em vista a inércia do legislador até a presente data. A dita emenda tem a seguinte redação:

“Art. 18. (...)

§ 4° A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos estudos de viabilidade municipal, apresentados e publicados na forma da lei.”

Com a modificação do texto constitucional acima, os critérios tornaram-se mais rigorosos, pois dependente de lei complementar federal tanto para definir o período no qual poderão ocorrer modificação na base territorial dos municípios, quanto para definir a forma de apresentação e publicação dos estudos de viabilidade municipal.

Há quem diga que a edição da Emenda Constitucional n° 15/96 teve como objetivo principal frear, ou mesmo impedir por tempo indeterminado, qualquer forma de cisão ou união territorial. Passados mais de quinze anos, a norma constitucional permanece sem efeito, uma vez que se trata de norma de eficácia jurídica limitada, ou melhor, os efeitos jurídicos que dela se espera estão condicionados à elaboração de leis que a própria Carta Magna determina.

Diante da desídia do Congresso Nacional, o STF julgou procedente a ADI 3.682, no dia 09 de maio de 2007, declarando inconstitucional a omissão do legislativo federal, determinando prazo de 18 (dezoito) meses, a partir desse julgamento, para que tais leis finalmente fossem aprovadas.

Esgotado o prazo nenhuma lei foi aprovada. Ao invés disso, uma nova emenda foi editada em 18 de dezembro de 2008, a Emenda Constitucional nº 57, apenas para convalidar os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios, cuja lei tenha sido publicada na data limite de 31 de dezembro de 2006, desde que atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado a época de sua criação. Com a EC nº 57/08 foi acrescentado aos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias o art.96, cujo teor e o seguinte:

“Art. 96. Ficam convalidados os atos de criação, fusão, incorporação e desmembramento de Municípios, cuja lei tenha sido publicada até 31 de dezembro de 2006, atendidos os requisitos estabelecidos na legislação do respectivo Estado à época de sua criação.”

Como se vê, o dispositivo tem caráter nitidamente voltado ao passado. Nada dispôs com relação ao futuro. Dessa forma, permanece o quadro de não regulamentação do § 4º, art.18, da Constituição Federal, e, consequentemente, o quadro de ineficácia jurídica deste dispositivo, pois a referida emenda tratou apenas do período de 1996 a 2006.

A pressão política e o debate no meio jurídico continuam acentuados diante da falta de regulamentação do § 4º, art.18, da Carta Política, mesmo após a edição da Emenda Constitucional nº 57/08. A demanda pela criação de novos municípios ainda permanece em alta. Porém, a jurisprudência dos tribunais é firme em vedar a criação, fusão, incorporação e desmembramento de municípios diante da eficácia limitada do art.18, § 4º, da Constituição Federal acima descrito.

A posição dominante no STF é no sentido de que a modificação da base territorial dos municípios esta a depender de lei complementar tanto para definir o período no qual poderão ocorrer modificação na base territorial dos municípios, quanto para definir a forma de apresentação e publicação dos estudos de viabilidade municipal.

MARISON ROCHA é advogado, especialista em Direito Municipal, e pós-graduando em Direito do Estado e Direito Tributário.

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