A Segurança da População é uma área melindrosa demais para ficar a cargo de um médico que entenda razoavelmente de Segurança, bem como a Saúde humana não pode ser confiada a um Policial, por mais que ele conheça a posologia das bulas de remédios. Com habilidades a desejar, a interferência de um na área do outro, além de ferir a ética e direitos, poderá ser desastrosa à vida humana e resultar em irremediável crise de credibilidade. E é exercitando a responsabilidade, a transparência e a ética, que as autoridades consolidam a tão necessária credibilidade pública, por vezes tão desgastada.
Com esta reflexão, destaco dois fatos ocorridos durante a semana. Um em Johanesburgo, na África do Sul, onde a responsabilidade ética e transparente do presidente Lula desconstruiu a imagem excessivamente positiva que o Ministério do Turismo se esforça para vender lá fora, em contradição com a realidade brasileira. O outro, em Xambioá, cidade situada no norte do Tocantins, onde a população nacional assistiu em telejornais a uma verdade, ocasional ou não, mas que também não se pode, nem se deve esconder. Uma delegacia aos cuidados de um preso.
Embora a ânsia de vender uma imagem positiva de um Brasil, que só existe nos sonhos dos brasileiros otimistas por natureza, seja compreensível tendo em vista a Copa do Mundo de Futebol que o Brasil vai sediar em 2014, a peça publicitária não pode ser enganosa. Não se pode ignorar o Brasil real. Da mesma forma que no Estado do Tocantins a Segurança Pública não pode dar-se ao luxo de se furtar ao diálogo com a sociedade, sem enganar a população, ou esconder fatos, vendendo uma imagem de segurança que não existe.
Na África do Sul o presidente Lula falou maravilhas do Brasil, anunciou transparência em todos os gastos relativos à Copa do Mundo de 2014, mas o Presidente também disse que as pessoas não vão mais vezes ao cinema por medo de voltar para casa a pé, por que pode ter o carro furtado e lembrou ainda, que a maioria de nosso povo não sabe falar em outra língua. Não é à toa que a credibilidade de Lula no Brasil e no mundo é histórica.
O Tocantins não sediará jogos da Copa 2014, mas está despontando economicamente entre as unidades da federação com reais possibilidades de franco desenvolvimento industrial. Dispor de incontáveis cenários de raríssimas belezas naturais, água em abundância, praias (nem sempre bem estruturadas), índices de violência e criminalidade relativamente baixos, elevados índices de elucidação de crimes, não diz tudo. Também temos mazelas da insegurança vividas em outros estados e não temos o direito de nos descuidar delas. Não podemos mais conviver com dois discursos e uma prática diferentes. Nós precisamos admitir nossas deficiências, com a responsabilidade de procurar saná-las e não varrê-las para debaixo do tapete. É dessa transparência que se precisa.
Pensar Segurança Pública na atualidade requer extirpar do pensamento arcaico, apenas a idéia de algemas, armas, coletes, munições e viaturas. Quem pensa Segurança Pública de forma ultrapassada está na contramão da Política Nacional de Segurança Pública. Foram-se os tempos em que se fazia segurança pública isoladamente, apenas com policiais correndo atrás de bandidos. O momento é de substituir a truculência por técnicas avançadas, e que resultem em qualidade de vida para a sociedade.
Para a SENASP são importantes também os Gabinetes de Gestão Integradas (GGI), da mesma forma que para ela é importante o envolvimento do Poder Público Municipal nessas questões de Segurança Pública por meio dos Gabinetes de Gestão Integrada Municipais (GGIM). Embora recomendados pelo Ministério da Justiça, aqui no Tocantins, o primeiro acabou. O segundo, nunca teve sua criação incentivada. No entanto o Tocantins não pode ficar na contramão dessa evolução.
Quem não reconhece que “ninguém conhece a realidade local melhor que a comunidade local”, está na contramão do Ministério da Justiça em sua política de fortalecimento da Polícia Comunitária, por exemplo. E foram-se os tempos em que a opinião civil ou empresarial em questões de Segurança Pública era recebida como insulto pela polícia ou por gestores de segurança pública.
Em tempos modernos, se a segurança pública quiser desenvolver um bom trabalho, cada instituição policial necessita ensinar os policiais a descer da viatura e dialogar com a população. O policial precisa conhecer as pessoas pelo nome, e pelo nome ser reconhecido. Do contrário, como o policial levará a credibilidade que necessita para resgatar a confiança perdida, e assim buscar a cooperação que a segurança pública tanto carece para o desenvolvimento de trabalhos preventivos?
Ouvir a opinião do policial da ponta, descentralizar a administração, investir em tecnologia da informação e em ciência, tem mais importância do que meros discursos de arrocho financeiro, pois, entre os minguados recursos disponíveis, não há mais o que se economizar.
É dessa forma, com ousadia, transparência, seriedade e realismo que se espera que a Segurança Pública realmente seja referência no cenário nacional, e não apenas discurso de uma plataforma eleitoral.
Segurança Pública, Saúde e Educação não são cargos. São áreas estratégicas e obrigações sob responsabilidade do Poder Executivo que não se recomenda passar procuração a ninguém; são áreas inegociáveis politicamente; são áreas merecedoras de tratamento realístico, de preferência, sem faz-de-conta, nem propaganda enganosa.
Mais uma vez estamos vendo a administração buscar “bodes expiatórios” para desculpar suas deficiências. Não pode se admitir um plantão de um policial sozinho na delegacia, que não poder ir em sua residência se alimentar, tomar um banho, ou até mesmo ir ao banheiro! A onipresença não cabe aos delegados, apenas à Deus, não temos como estar em dois, três, ou mais municípios ao mesmo tempo, e atender a população com eficiência. Não é só em Xambioá que isso acontece, é em todo o Estado.
Busquemos o verdadeiro responsável pelo estado deplorável e vexatório ao qual estamos submetidos, e vamos admitir nossas deficiências para buscar melhorias. Não houve equívoco algum no fato ocorrido, mas sim falta de gestão administrativa.
Pedro Ivo é bacharel em Direito, formado pela PUC - Rio, nasceu no Rio de Janeiro e veio para o Tocantins em 1998, exerceu os cargos de Procurador do Município de Palmas, Auditor, Diretor-Geral do TRE-TO, é Delegado de Polícia Civil, representou a Segurança Pública de nosso Estado nos Jogos Pan-americanos de 2007, e é hoje o Presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Tocantins (ADEPOL-TO).
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