A primeira experiência que o Tocantins viveu na tentativa de terceirizar serviços públicos de saúde – direito de todos e dever do Estado – não deixou boas recordações. Falo da gestão que a São Camilo fez, amparada por lei estadual, no período em que administrou a antiga Maternidade da Arse 51 (e mais três hospitais) de tão péssimas lembranças. O lugar era caótico, sobrecarregado e ainda tinha ao fundo, funcionando na mesma área o IML. Com o tempo o lugar foi demolido e a quadra resgatada com a construção de uma praça na mesma área.
Naqueles idos do final da década de 90, a justificativa para terceirizar tinha proximidade com a de hoje. Entidade filantrópica, sem fins lucrativos, a São Camilo poderia operacionalizar melhor a gestão da Saúde. É que o rigor da lei que obriga o Estado a fazer planejamento e licitar a tempo - para ficar apenas em um exemplo - a compra de remédios, não atinge entidades do terceiro setor.
Vejam bem: não estou levantando dúvidas sobre as boas intençóes do governo do Estado em buscar parceria para enfrentar os problemas graves da rede de saúde. Apenas questionando a forma e falta de uma discussão mais ampla com a sociedade organizada sobre o tema e suas implicações.
O relatório preliminar apresentado no começo do governo para justificar o decreto de estado de calamidade na rede hospitalar foi fotográfico e não estatístico. Ali, o que se viu foram estruturas físicas depauperadas pelo tempo, pela falta de manutenção, precisando urgentemente de reforma. Haviam também equipamentos quebrados, outros obsoletos, conseqüência - ao que tudo indica - de uma combinação de má gestão com falta de recursos.
Por melhor que sejam as intenções o risco, no entanto, é grande. As facilidades de poder comprar sem licitar, atendendo rapidamente as demandas, não são o único aspecto a ser analisado numa mudança que não foi debatida o suficiente com a sociedade.
Modelo usado no passado foi melhor para entidade que para usuário
A terceirização promovida pelo Estado em 1995 com a São Camilo(entre outras) foi objeto de análise do procurador federal Wagner Gonçalves, que analisou o modelo que começava a ganhar espaço nos estados da federação como uma forma do Estado lavar as mãos da sua responsabilidade constitucional de gerir o sistema de Saúde, transferindo a terceiros uma obrigação que é fundamentalmente sua.
Sobre o assunto, disse o procurador que àquela época, a terceirização promovida pelo Tocantins incluia “concessão de uso de bem imóvel de determinado hospital (contrato por cada unidade hospitalar ou para determinadas unidades hospitalares), com cessão de equipamentos e acessórios que guarnecem o mesmo, concessão de veículos, inclusive, cessão de pessoal técnico especializado (nível médio e superior), pessoal administrativo, para o fim específico de prestação de serviços na área do SUS, transferindo-se-lhe (à São Camilo) também os recursos financeiros necessários, mediante a apresentação das faturas dos serviços efetivamente prestados aos usuários do SUS”.
Trocando em miúdos, era um modelo em que o Estado entrava com praticamente tudo: a rede hospitalar, os servidores, os bens móveis e equipamentos e com o dinheiro para manter o sistema funcionando. A entidade filantrópica sem fins lucrativos entrava com o gerenciamento de quatro hospitais e consultoria para sete. Por este serviço (sem fins lucrativos) recebia os recursos necessários ao pagamento de pessoal e manutenção da rede, por um ladoe pelos serviços de consultoria e assessoria recebia uma polpuda quantia mensal por outro.
Só para se ter uma idéia de valores, tanto tempo depois, a São Camilo recebia uma transferência mensal para pagar pessoal, inferior a R$ 30 mil. Ao mesmo tempo, recebia por mês pela gestão das unidades sob seus cuidados, R$ 110 mil (valores de abril) conforme relatado em parecer do MPF que concluiu que as terceirizações, da forma como ocorreram até o final da dpecada de 90 eram lesivas ao patrimônio e interesse públicos.
Transparência e vigilância são fundamentais
Ainda não foram tornados públicos os detalhes do convênio que o Estado celebra com a CMB – Confederação das Santas Casas de Misericórdia do Brasil, assinado ontem pelo governador. Não sabemos exatamente o quê ela fará, quais suas obrigações e quanto isso vai custar ao contribuinte. Afinal, não é um contrato pelo qual o Estado comprará serviços de saúde, mas um convênio: há uma diferença grande entre os dois.
Segundo o web site da CMB é um convênio celebrado por um ano, para que a confederação assuma a rede hospitalar no Estado, melhore o atendimento ao usuário e implante um novo modelo de gestão.
O fato é que a terceirização da rede hospitalar tocantinense e da responsabilidade de geri-la ao terceiro setor é uma decisão de alto risco que o governo do Estado assume. Na condição de usuários do SUS, só restou aos tocantinenses torcer para dar certo. Torcer e vigiar. Afinal são recursos caros, destinados a uma área vital para todos, e que o Estado, como instituição reconhece que não está apto a administrar de forma eficiente com os recursos humanos que tem. Por isto terceiriza.
Que a CMB seja para o Tocantins, uma experiência melhor do que foi a São Camilo. E vamos acompanhar para ver no final das contas, onde esta terceirização vai nos levar.
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