Em 2011 a internet produziu um de seus fenômenos típicos, o astro teen Justin Bieber. A partir de vídeos rodados exaustivamente no Youtube, o garoto americano tornou-se um fenômeno. Ele desembarcou no Brasil em outubro como o astro de uma série de shows. Em São Paulo, conseguiu mexer com o cotidiano da megalópole: no aeroporto ou na Avenida Paulista era possível sentir algo estranho, a efervescência de suas fãs adolescentes. Pois bem, antes que o ano findasse, nós brasileiros conseguimos uma forma de revidar. Nossa vingança: vamos enviar-lhes Michel Teló.
Famoso no Brasil, tendo sempre um hit para os últimos verões, Teló conquistou o mundo pela repetição no Youtube, assim como Bieber. Enquanto escrevo esse texto, um dos muitos vídeos do seu sucesso, “Ai se eu te pego”, está com 106 milhões de visualizações. Quando você for lê-lo, sabe-se lá quantos acessos o vídeo terá alcançado. Sem contar a versão em inglês, feita por Teló (sem sanfona, para ganhar a familiaridade dos gringos), e as centenas de versões postadas por internautas. Como já foi dito, “Ai se eu te pego” é a “Macarena” da década atual.
Muitos se queixam. Dizem que Michel Teló é um embaixador negativo para a música brasileira, que arranha sua imagem. Esquecem que nossa música tem base firme, alicerçada há mais de 50 anos com a Bossa Nova. “Garota de Ipanema” é apontada como a segunda canção mais executada em todo o mundo nas últimas cinco décadas, perdendo só para os Beatles com a emblemática “Yesterday”. A composição de Tom Jobim e Vinícius de Moraes também figura entre as mais regravadas da história. Seriam cerca de 300 registros autorizados – um deles no recente álbum póstumo de Amy Winehouse.
Ou seja, a Bossa Nova ainda pulsa lá fora, mais que aqui. Com essa experimentação de Samba e Jazz, a música brasileira migrou da periferia para o centro do mundo, como lembrou Tom Zé no documentário “Alquimistas do Som”. É o ritmo que os americanos queriam, mas não inventaram. Coube-lhes cortejá-lo. Chamado de “a voz” pelos estadunidenses, Frank Sinatra dividiu todo um disco com Tom Jobim em 1967. Sarah Vaughan, outro ícone dos EUA, dedicou um álbum a clássicos brasileiros. Outros tributos continuam sendo prestados, como o de Diana Krall em seu recente CD “Quiet Nights” (título extraído da versão para “Corcovado”). É bom lembrar, façanhas possíveis somente porque as letras foram vertidas para o inglês.
Depois da Bossa Nova, o Brasil não voltou a produzir canções de apelo tão universal. Ainda assim, a geração de Milton Nascimento conseguiu manter em construção nossa imagem musical no exterior.
Agora, voltamos a chamar a atenção do mundo, não pela sofisticação, mas pelo apelo à dança da música pré-fabricada de Michel Teló – paranaense que conquistou a Europa, espalhou sua fama e agora mira emplacar definitivamente nos Estados Unidos, a terra de Justin Bieber. Mas não se avexem, Teló não causará danos à música brasileira. Não será um fenômeno meteórico quem irá arranhar uma imagem consolidada. Quando ninguém mais lembrar-se de “Ai se eu te pego”, a canção de Tom e Vinícius ainda ecoará continente afora, falando de uma moça que balança seu corpo dourado a caminho do mar de Ipanema.
E tem mais. Passados tantos anos do auge da “Macarena”, quantas pessoas sabem afirmar, categoricamente, qual a nacionalidade do grupo que lançou este sucesso? Por tudo isso, que ouçam Michel Teló, que ele passe meses longe do país, em turnê, e que volte trazendo as malas cheias dos dólares e euros do povo de lá!
Flávio Herculano é jornalista
fherculano@yahoo.com.br
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