Costumo visitar a vó do meu marido num Centro para Idosos aqui da Inglaterra. O local é bem vistoso. Uma espécie de mansão com vista agradável para o jardim. A entrada não menos pomposa. A casa fica numa espécie de vila, a diferença é que lá só existe essa edificação antiga, construída provavelmente há quatrocentos anos. Eles são bem tratados, com até algumas mordomias. Mas lá não é a casa deles, não foram onde nasceram e nem cresceram.
Angústia e ansiedade sempre me acompanham nas visitas. Corta meu coração ver aquele emaranhado de idosos já no auge de suas demências balbuciarem palavras inaudíveis. Eu ansiosa em querer ajudá-los, dispensar um pouco do meu tempo dizendo que estou ali para ouví-los, dividir um pouco de mim ouvir um pouco deles, mas nada acontece nem para mim nem eles.
Critico muito o sistema do tratamento inglês aos jovens da terceira idade, pelo menos nesse quesito o Brasil está bem avançado. Até onde eu sei, os filhos sempre enviam os pais para esses Centros de Atenção ao Idoso no primeiro sintoma de sobrecarga para a família. O argumento é o mesmo: nesses locais eles serão melhor tratados, têm todo o suporte médico que precisarem e atenção especializada 24 horas. Por esse ângulo sim, é salutar mencionar. Faz sentido. Mas para mim, empurrar uma pessoa em idade avançada para um lugar desses é como impedir uma criança de dar aquela última mordida no seu chocolate preferido que guardou a sete chaves dentro da mochila ou no bolso. É passar para frente um pacote que foi entegue no endereço errado.
Vejo a situação puramente egoísta. Peso em demasia para ser encaixado nas nossas atividades diárias ou na agenda corrida das pessoas de negócios. Antes de chegar ao estágio de se juntar ao grupo dos socialmente não proativos, a dona Brenda já dividia a casa com a solidão. Ficava o dia inteiro sentada no sofá. Literalmente só levantava para ir ao banheiro, preparar a comida. Não abria a cortina e muito menos saia de casa. Quando muito, lia as cartas do marido morto enviadas da I Guerra Mundial. Uma Metamorfose, de Franz Kafka que entre outros temas explora a solidão, os sentimentos de exclusão e as crises do homem contemporâneo.
Até mudar-se por definitivo para o abrigo caiu várias vezes em casa. Ela tinha uma pulseira de emergência. Qualquer problema era so acionar o botão, mas recusava-se a pedir ajuda. ”Mãe, a senhora sabe para que serve o botão?”. “Sei, mas não quero usar”, dizia. Um sinal claro para mim de “deixe-me morrer” como no filme, Uma Menina de Ouro que aborda a legalidade da eutanásia.
Morando nessa Casa há quase três ano é nítido o quanto ela está deteriorizada, envelhecida. O que aqui chamam de convívio social, ressocialiazação com outros idosos, eu caracterizo de morte lenta e covarde. Para mim, por pior que seja o cenário para um idoso, ainda assim o seio da família, o convívio com as pessoas queridas da vida inteira é o melhor remédio. Como não escolhemos a forma de como morrer ao chegar nesses locais é quase matemático que eles morrerão ali, embora “socializados”, mas longe de quem significou algo para eles por décadas.
A dona Brenda tem um filho exemplar. Visita a mãe quase todos os dias, e ainda dão um selinho. O mundo dela é ele. Não interage com ninguém, não conversa com os demais ocupantes da casa. Quando fica na sala de estar, está sempre à janela esperando pelo filho. A única frase que ela fala para ele é “por que você foi embora da última vez?”. Testemunho sempre essa despedida e meu coração parte em mil pedaços.
Para mim essa sentença sintetiza tudo: o Idoso quer morrer ao lado da família não importa quão demente a sociedade julga ser essa pessoa. Por mais louco que alguém seja, o tom da lucidez é mais alto e diz. “Por favor, permita-me morrer ao seu lado”, um pedido simples de um indivíduo que dedicou décadas de suas vidas aos nossos caprichos e bem-estar e que só que morrer e mais nada....ao nosso lado,claro.
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