O jornalismo e a decisão destemperada do STF

Flávio Herculano, jornalista com pós-graduação em Marketing Político e atuação no mercado publicitário discute os efeitos da decisão do STF que extinguiu a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo no Brasil. Leia! ...

Opinião, cada um tem a sua. E como vivemos em uma democracia, todos podem expressá-la, num papo de botequim, na fila do banco, em rodas de amigos, no encontro com o vizinho à porta de casa e também por meio de artigos de jornal, spams, blogs, do Twitter ou qualquer outro meio. O que não se pode é confundir esta difusão da opinião com a prática do jornalismo.

Ao derrubar a obrigatoriedade do diploma de jornalista para o exercício da profissão, o Supremo Tribunal Federal misturou alhos com bugalhos, justificando que, com a medida, está preservando a liberdade de expressão, um direito constitucional. Com o mínimo de discernimento podemos constatar que o julgamento do STF foi pra lá de mal ajambrado, errando no mérito da sua decisão.

Ora, as excelências do STF deram seu parecer sem refletir sobre a base do jornalismo, que é a isenção, chamada em nosso jargão profissional de “objetividade”. Nós jornalistas trabalhamos com a apuração de fatos, ouvindo versões e opiniões (as alheias, não publicando as nossas próprias) e submetendo os textos à linha editorial que é estabelecida pelo dono do jornal, de acordo com seus interesses financeiros ou políticos. Portanto, entre todos os cidadãos, contraditoriamente, o jornalista é quem menos expressa seus pensamentos.

Assim, o STF, ao estabelecer que qualquer um pode exercer a profissão de jornalista, não ampliou nem mesmo garantiu as condições para as pessoas se expressarem. Quem antes podia exercer este direito, continua podendo. Quem procurar pela livre expressão no jornalismo, jamais encontrará.

Ao invés de benefícios, a decisão do STF só trouxe prejuízos à sociedade.

Num mundo que prima pela profissionalização, adquirida em cursos superiores e de pós-graduação, o STF vem a público estimular o amadorismo, dizendo que para ser jornalista basta “chegar fazendo”, sem um nível mínimo de estudo, sem o conhecimento sobre o formato de cada mídia, sem a formação humanística e sem o debate dos ambientes universitários sobre a ética e a legislação que regem o jornalismo.

Claro, o mercado pauta a si mesmo e os bons veículos de comunicação, comprometidos com a qualidade da informação, vão continuar buscando por profissionais diplomados e experientes. Porém, a decisão do STF dá total liberdade para que os jornais picaretas (e eles são muitos) contratem (a baixos salários) e explorem estudantes de jornalismo e (o que é pior) curiosos - o que, até agora, só acontecia ilegalmente, por debaixo dos panos.

Com a decisão do STF, o interesse financeiros dos donos de jornal pode se sobrepor livremente à qualidade da informação - o que compromete especialmente mercados de comunicação como o do Tocantins, Estado de economia ainda frágil, onde existem poucos anunciantes e onde a maioria dos jornais vive na corda bamba, no eterno aguardo pela liberação de verbas publicitárias governamentais.

Para a nossa classe profissional, o pior prejuízo é que, desestabilizada a profissão, se arrefecem as lutas por melhores salários e por melhores condições de trabalho. Para a sociedade, as perdas são maiores, com as perdas na qualidade da informação (com tudo o que isto implica).

Ministro Gilmar Mendes, as questões relacionadas ao exercício do jornalismo são um pouco mais densas do que você julga. A profissão de jornalista não pode ser comparada com a de cozinheiro. Uma notícia mal elaborada ou com temperos em excesso pode causar muito mais mal estar que um prato que passou do ponto.

Comentários (0)