O discurso de isenção, correção e agilidade, recém-publicado sob o título de Princípios Editoriais das Organizações Globo tem repercutido no meio jornalístico e despertado uma postura mais vigilante na sociedade atenta. É fato. Em redes sociais como o Twitter e em programas que discutem a prática jornalística, ao exemplo do Observatório da Imprensa - TV Cultura, o postulado global tem sido tema de saudável discussão. No Tocantins, também ecoa, embora, no momento, capitaneada pela concorrência, que aponta para veículo da Organização Jaime Câmara (OJC), a observação de que ela não estaria comprometida com tais Princípios.
Para quem conviveu na OJC aprendendo a fazer jornalismo no Jornal do Tocantins melhor que na faculdade, não é confortável o comentário, que esse veículo estaria se permitindo comprometer a consolidação da credibilidade defendida por Tião Pinheiro (referência de caráter indiscutível), por uma relação nebulosa com o Governo do Estado, num contrato de prestação de serviços, sem licitação, como critica a concorrência. Por R$ 2,2 milhões, os Princípios Editoriais das Organizações Globo estariam sendo ignorados, alegam. Um princípio é maior que uma norma, lembra outro.
Análise dos erros
Disputas comerciais à parte, certamente, conglomerados empresariais têm suas trajetórias pontuadas por erros e acertos, embora se saiba que, na retina do espectador, os equívocos se fixem com mais facilidade. Motivadas pela necessidade de errar menos e se aproximar mais dos acertos, as Organizações Globo, apesar de seu notável poder, parece ter cedido à humildade, para analisar erros do passado antes de formalizar em 28 páginas, os Princípios Editoriais que passam a balizar como uma trilha, a conduta de profissionais e afiliadas que a compõem. Se ela própria caminhará por essa trilha é outra história.
Apartidário
Entre os itens que mais se destacam no postulado em evidência estão aqueles que afirmam a independência das Organizações Globo, em relação a governos, grupos econômicos e ênfase para que os veículos de comunicação do grupo sejam apartidários, devendo “se esforçar para assim ser percebidos”. Mas a memória histórica não pode ser deletada. Buscando-a, se observa que nem sempre foi assim. Quem não recordar, leia Notícias do Planalto, livro de Mário Sérigio Conti, que revela as artimanhas para impedir o avanço de Lula Lá, “o arcaico” e a preferência por Collor, “o moderno”. Nada muito diferente do que já se viu no Tocantins, com direito a nuances de Ibope a Duda Mendonça.
Laicismo
Outro aspecto com recomendações reiteradas de isenção, e que motiva um bom debate é a passionalidade religiosa. É nítido o posicionamento: “As Organizações Globo são laicas, e os seus veículos devem se esforçar para assim ser percebidos”. “Os jornalistas das Organizações Globo devem evitar situações que possam provocar dúvidas sobre o seu compromisso com a isenção”, reafirma.
São diversas as recomendações e reduzido o espaço para comentá-las. Mas os efeitos instantâneos que uma publicação causa, podendo arruinar carreiras, fazer vítimas inocentes, sem a menor possibilidade de uma completa reparação do dano, justificam a preocupação das Organizações Globo em estabelecer um padrão mais transparente. Se para muitos, a primeira impressão é a que fica, no jornalismo, às vezes, é a que mais causa estragos. E observe que a precipitação danosa não é privilégio apenas de jornalistas, veículos de comunicação. Às vezes, instituições como o Ministério Público, Polícia e o Judiciário erram tanto quanto empresas de comunicação. O sofrido Odir Rocha, que o diga.
Interesse público
É evidente que os veículos de comunicação independentes, bem como a academia de jornalismo, não têm a obrigação de seguir o modelo global. Cada veículo, cada academia, naturalmente busca uma identidade própria. Mas ninguém pode prescindir do mínimo de respeito à opinião pública, consciente de que o interesse público deve prevalecer em primeiro plano, se de fato houver preocupação com a qualidade jornalística, e não em ter a sociedade sob seu controle, para disso obter proveitos.
Com outras palavras, o jornalista Alberto Dines diz que, no discurso contido nos Princípios Editoriais, as Organizações Globo parecem tentar se adaptar conforme o interesse público. E o público é sábio, se interessa por decisões racionais, com ar de liberdade.
Imposição evolutiva
O contorno da paisagem jornalística que se desenha no horizonte, a partir de agora, não é beneplácito de uma empresa, mas uma imposição da sociedade que a Globo percebeu. A evolução social, com o surgimento das redes sociais que driblam a censura e se posicionam com mais liberdade para criticar, protestar, opinar, impõe mudanças. Salvo engano, é a filósofa Marilena Chauí que diz: “Na medida em que o homem evolui se cria novas técnicas e normas”.
Se para a Globo “a análise crítica de edições passadas é um imperativo” e ela de fato deseja respeitar a adversidade, ela acaba oportunizando à sociedade, o direito de ousar discordar, discutir, debater, opinar. Se uma sociedade “não produz uma única forma de ver a realidade, ela é plural e dividida por interesses antagônicos de diferentes grupos”, as idéias diferentes são um convite para um bom debate. Ganhariam com ele, jornalistas, dirigentes e proprietários de veículos de comunicação, professores, estudantes de jornalismo, enfim, a sociedade.
Mesmo com ares de abertura democrática e respeito à opinião pública, os Princípios Editoriais das Organizações Globo ainda provocam um questionamento: Haverá dissonância entre o discurso e a prática?
Cumprir. Eis um grande desafio.
Gilvan Noleto éPerito, Jornalista e Especialista em Polícia Comunitária
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