Ontem estive no CRM – Conselho Regional de Medicina,para participar de uma audiência num processo nascido de matérias e especialmente de um artigo que publiquei aqui, cerca de 15 dias antes das eleições, discutindo à época o deficitário atendimento prestado pelo HGP (que melhorou, mas ainda está longe de atingir a excelência até que deixe de funcionar como pronto socorro) e alguns casos específicos envolvendo o tratamento de tumores líquidos.
Na sexta-feira passada, o Conselho, que decidiu assumir um papel de protagonista na discussão de temas que envolvem a comunidade a área médica, pautou a terceirização como assunto para o debate. Receberam por lá o secretário da Saúde, Arnaldo Nunes para tratar de um assunto sobre o qual o governo já bateu o martelo. Tanto que primeiro decretou estado de calamidade na Saúde, depois editou a MP, assinou convênio com a instituição que escolheu – obviamente sem licitação – e agora caminha para fazer nos próximos meses, com aval da Assembléia, a “transformação” pretendida na saúde do Estado.
O material exibido no Palácio Araguaia como base para decretar o estado de calamidade (Decreto 4279/2011) foram fotos revelando a precariedade de estrutura física e de equipamentos dos hospitais pelo Estado. Agora os deputados estaduais percorrerão, com comissão criada para estes fins, a rede hospitalar. Mas o problema não é só de estrutura. Reformar hospitais, construir uma nova maternidade – em 100 dias – como já chegou a propor o secretário Eduardo Siqueira Campos, é bom e sana a questão física. Mas com certeza não resolverá o problema da alta demanda por serviços e baixa oferta dos mesmos na rede hospitalar do Tocantins.
Um sistema que gasta mais que arrecada
Isto acontece por um motivo simples: o problema da saúde é sistêmicoacrescente-se a isto a tabela de pagamento de serviços médicos do SUS, motivo de luta da classe médica e de hospitais da rede filantrópica, entre outros.. Gente demais em busca de tratamento, dinheiro de menos entrando para alimentar um sistema único gratuito e deficitário. Fora os ralos da incompetência e má fé por onde escorre o dinheiro público da Saúde, não especificamente no Tocantins, mas no Brasil inteiro, como uma espécie de endemia sem cura.
Os problemas que apontei aqui quando tratei de terceirização pela primeira vez há alguns dias, persistem. Primeiro, por que deficiência de gestão não pode ser apontada como motivo para calamidade na Saúde. A base em que todo processo foi construída é falha e não resistirá a uma medida cautelar por parte de quem tem por obrigação fiscalizar o uso dos recursos do SUS, que são federais.
Depois, porque o convênio assinado com a CMB e que permanece guardado, sem divulgação de seus termos, dificilmente deixará de caminhar para compartilhamento da gestão. Se não enxergasse este problema (forma de gerir), por que o governo chamaria as Santas Casas de Misericórdia?A própria reportagem publicada no site da CMB indicava claramente este caminho quando o convênio foi assinado.
Se Estado não gerir sistema, União pode intervir
Terceirizar a gestão, mesmo que em parte já foi feito no passado e é legalmente proibido. Coisa passível de intervenção federal como preceitua o artigo 34 da Constituição. Até por que a gestão do sistema é atribuição do governo do Estado, que ao se declarar incompetente para fazê-lo não pode terceirizar sua obrigação.Neste caso, quem assumiria a gestão do sistema, por força de lei, seria a União. Iniciativa semelhante já foi tomada no Rio de Janeiro, capital, onde caberia a intervenção estadual, ao invés da federal, que só por isto não prosperou.
Diversos acórdãos do TCU apontam para decisões neste sentido. Acórdão 217/2007: gestão não pode ser terceirizada, calamidade só se configura em casos de surto de doença grave, ou calamidade provocada por fatos alheios à rotina e aos procedimentos normais (enchentes, terremotos, furacões). Acórdão 2063/2007 - "É vedada a realização de contratação por dispensa de licitação ou inexegibilidade quando a situação dada como de emergência advém da falta de planejamento, desídia administrativa, culpa ou dolo de agente público".
Pela mesma forma, o Tribunal de Contas da União já decidiu que contratação sem licitação em tendo como base decretação de estado de calamidade por falhas mesmo que parciais de gestão, ou dolo no uso do recurso público, é passível de sanções legais.
Por todos estes motivos, ainda que a terceirização seja coisa decidida pelo governo, e que caminha para o aval da Assembléia Legislativa, é um caminho cheio de sinais de alerta para problemas futuros.
Torcer para que a gestão da Saúde melhore, seja modernizada e dê certo, todos os cidadãos tocantineses com certeza estão torcendo. Difícil é acreditar que isto vá ocorrer por caminhos tão tortuosos como os antes já trilhados. Duvidar mantém a atenção e vigilância sobre este assunto e como tudo vai se processar a partir de agora.
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