É difícil mensurar como tão árdua foi a luta que durou mais de um século e meio até ser concretizada em 88 com a proposta de Siqueira Campos pela redivisão territorial do norte de Goiás; mas é possível atestar um fato inegável dessa jornada: a criação do Tocantins resgatou a presença pioneira de nosso estado nas discussões de ideais libertários que precederam o espírito democrático vivido pelo Brasil com a reabertura política, em 1984. Nosso espírito bravio saiu na frente em 167 anos e ali, notadamente, se formou a identidade contestadora do tocantinense, afinal está para nascer ser cidadão mais apaixonado por uma boa discussão política.
Nas palavras que Siqueira Campos rememorou 23 anos após o Tocantins ter sido criado, durante solenidade em homenagem a este feito, ocorrida nesta sexta (07/10) na Câmara dos Deputados, chega-se à síntese de suas palavras que, como tocantinenses nativos e ou os naturalizados de coração, em nada devemos faltar àqueles que lutaram por nossa independência – seja à memória de Teotônio Segurado, seja ao bravio dos brasileiros anônimos que dedicaram seus ideais em prol da criação do Tocantins, seja à luta em todo o seu contexto que não será esquecida por nós.
“O Tocantins não faltará ao Brasil”, disse Siqueira naquela sessão histórica em que Ulysses Guimarães conduziu os constituintes na votação que celebrou a conquista de nossa autonomia no distante dia 05 de outubro de 1988.
Olhando, hoje, depois de mais duas décadas é possível constatar que os tocantinenses não faltaram quando chamados – estiveram firmes na construção do estado e ali, no meio do cerrado, deram rumo a uma nova vida. Mas é que todo tocantinense é assim. Basta ser desafiado, chamado a pensar política, a discuti-la, a refletir o que se quer.
O Tocantins é um berço de fortes e nos genes de sua gente a semente do espírito contestador é parte hereditária – nasce com o tocantinense, pauta sua vida e encerra consigo.
Quem criou o Tocantins?
O Tocantins não foi criado, em tese. Ele já existia como semente do consenso coletivo que moveu os levantes populares ao longo de nossa história: mãos e mentes que se uniram numa missão que em nada lhes faltará a lembrança. Mas foi preciso que Siqueira tomasse o direcionamento desse levante rebelde - que insistiu-se sabiamente em não cessar - e decidir articular-se como todo grande líder com visão estratégica e senso apurado poderia pensar em fazer.
Ora, Siqueira não desperdiçou a oportunidade do valor ao idealismo e à racionalização de suas idéias poéticas quase augustianas. Construiu sua participação neste processo beneficiado pelo momento histórico da causa, mas batalhou por ela, foi atrás do ideal e não se acomodou. Pra isso, apenas querer criar o Tocantins não nos valia a realização desse sonho. Foi preciso seu trabalho de articulação e a Siqueira coube somente a ele o mérito dessa gama política. Fosse fácil, por que não criou-se o Tocantins antes?
Não se pode negar a participação de nenhum dos homens e mulheres envolvidos na criação do Tocantins. Afinal , como personagens perseverantes do improvável não nos é possível faltar ao legado que tantas mentes inquietas deixaram, hereditariamente, na causa chamada Tocantins e esse aguerrimento foi o que nos levou aonde chegamos: um estado idealizado, criado, construído e em ininterrupto crescimento.
Por isso, creio entender o recado do velho Siqueira. Ele fala da instituição e não dos traquejos políticos, das discussões ideológicas ou das idiossincrasias ventiladas por correntes que destoaram o rumo do Tocantins do prumo original. O momento é de atenção. Um estado é mais que um organismo abstrato: precisa de manutenção constante e zelo pelo que representa – seu povo. Mesmo que, muitas vezes, a figura que Thomas Hobbes sintetizou através de Leviatã transmigre ao encontro de estruturas de estados absolutos que desconhecem aonde cabem seus tentáculos na representatividade de sua gente ou ao esquecer o porquê de serem articulações essenciais dessa estrutura federativa da qual somos ligados: o Tocantins é parte do Brasil e dele não foi extirpado. Se fez notar como terra de gente valorosa e disso não abre mão.
Neste ponto, as palavras de Siqueira podem encontrar sentido visionário, mais uma vez, ao valorizar a luta separatista e otimizar aquilo que o futuro nos reserva: o Tocantins não faltará ao Brasil. Mas, isso enquanto os tocantinenses não faltarem ao Tocantins, como brasileiros que são. E como já é sabido da genética de todo tocantinense, desistir da luta é palavra que não faz parte de nosso dicionário – e o “velho” sabe disso.
Fredson Aguiar
Email: f.aguiarpalmas@gmail.com
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