Acompanhei ontem a coletiva do prefeito Raul Filho, do PT, na expectativa de ouvir uma explicação razoável para o que todos vimos no Fantástico de domingo, o vídeo que já está popular nas redes sociais, mostrando o candidato Raul de 2004, com o já contraventor Carlinhos Cachoeira, pedindo ajuda para campanha política.
Vã ilusão. Contra fatos não há argumentos, mas sempre existem versões. A gente acredita nelas na medida que o interlocutor nos convence de sua sinceridade. Ontem não foi possível acreditar em Raul.
O que todos nós ouvimos foi o prefeito ironizar as perguntas da imprensa, zombar da ignorância de uns (quando perguntado se o vídeo era real), desafiar que a imprensa (sim, novamente a imprensa) ou quem quer que seja a provar que ele recebeu os R$ 150 mil que vimos Sílvio Roberto, seu amigo (assessor não, ele fez questão de deixar claro) combinar de receber em cinco contas pulverizadas, “nenhuma ligada à campanha”.
Demonizando a imprensa, esta eterna vilã...
Adotando o discurso que o PT tem usado nacionalmente para demonizar a mídia, Raul Filho chegou a dizer que é uma espécie de vitima de perseguição, já que acha que existem outros personagens da política tocantinense suficientemente envolvidos com Cachoeira para merecer mais atenção que ele.
De fato, outros personagens têm sido citados na cobertura de imprensa das Operações Monte Carlo e Saint Michel. A diferença, é que nenhum deles foi flagrado em conversa com Cachoeira, em áudio e vídeo, negociando apoio, em troca de “ajeitamento” futuro para o grupo na Prefeitura de Palmas.
Onde? Nas áreas de “transporte”, “concessão da água”, sugeriu o prefeito. Ou noutro nicho qualquer que o grupo quisesse atuar. O nicho que a empresa Delta, do grupo, atua em Palmas é o da limpeza urbana. Mas mesmo com dispensa de licitação (uma modalidade de licitação, defende o prefeito), é cum contrato “legal”. Até decisão judiciaria em contrário.
Para Raul, como de resto para a maioria dos petistas flagrados construindo acordos “espúrios”, (para ficar uma palavra que ele próprio tem usado com frequência nos últimos dias) a culpa é da imprensa. Há um excesso no “poder da mídia”. Que aliás, defendem, precisa ser fiscalizada. Para que pare de destruir tantas reputações ilibadas.
Fatos interpretados à luz da conveniência
É inacreditável. Vejam só a sequência dos fatos, e as explicações:
1 - O cara vai lá, em 2004, em Anápolis, encontrar um bicheiro que ele diz que não conhecia e que nunca mais viu, pedir apoio para as eleições.
2 - Ganha um show - de Amado Batista, em Taquaralto, para encerrar a campanha - que ontem ele ainda não sabia dizer com certeza se estava ou não contabilizado na sua prestação de contas de campanha.
3 - Se apresenta com um amigo, Sílvio Roberto, que segue por ele as negociações sobre “um dinheiro aí” para a campanha (R$ 150 mil). Defende o amigo como um empresário sério, bastante conhecido em Palmas, mas que não tem procuração para falar por ele.
4 –Fala claramente que a cidade é um lugar onde tudo acontece na base do “ajeitamento”, e sugere áreas para “ajeitar”os negócios do doador de campanha.
E depois de tudo isto tem a coragem de dizer que sua gestão é ética, séria e transparente; que a imprensa local é que por algum motivo insiste em ligá-lo a Cachoeira de todas as formas, mas não vai conseguir; que ninguém vai conseguir provar que ele agiu ilicitamente.
É acreditar demais na memória fraca do eleitor. É zombar demais da nossa inteligência. Não há inocência nenhuma na negociação que vimos Raul fazer com Cachoeira no vídeo gravado pelo próprio contraventor.
E de onde veio este, afirma sua atual esposa, tem mais. A atual que substituiu a ex, que tinha um irmão, em poder de quem o vídeo foi encontrado. A ex, que tem prima, casada com político importante.
Mandato termina como a campanha começou
Raul Filho tem suas qualidades à frente da gestão municipal, nas áreas em que foi bem assessorado: Educação e Saúde. Na área habitacional, fez o que o Minha Casa, Minha Vida lhe ajudou a fazer.
No mais governou de forma presente a cidade nos primeiros seis meses do segundo mandato, quando tinha a expectativa de construir uma campanha a governador. O tal projeto, fase dois, depois do estágio, lembram?
Agora governa os últimos seis meses para tentar finalizar rapidamente as obras que deixou paradas por diversas dificuldades de gestão nos últimos três anos. Planta flores em formato de estrela, e pinta tudo que pode de vermelho, para deixar sua marca.
Simpático sempre que a maré está a seu favor, Raul já teve várias faces no tratamento com o público e com a imprensa. Na campanha, era agressivo, batedor. Na primeira gestão, sumiu do povo, deixou o barco correr e só despertou para a reeleição já na reta final, celebrando um grande acordo político para ser reconduzido.
O prefeito que temos, na maioria do tempo gentil e cavalheiro com o povo e com a imprensa, assume neste final de mandato outra face: a que usa o discurso agressivo para responsabilizar o adversário pelo esvaziamento de sua gestão na reta final, e a ironia como arma para fazer prevalecer contra todas as evidências, sua versão na mesma imprensa que critica como cercada de más intenções contra ele.
De todas as meias verdades que desfilou ontem na coletiva de imprensa, existe pelo menos uma na qual podemos concordar com ele: este é o sistema que o Brasil escolheu para eleger seus políticos. Buscar empresários, honestos ou não, e pedir favores para pagar lá adiante com outros favores. A debitar na conta do contribuinte.
Uma vergonha, na verdade. Dizer que aquilo tudo foi um encontro normal, é nadar contra a correnteza da opinião pública num país em que o conceito dos políticos é baixo, e que a consciência do eleitor é um processo em reconstrução.
Uma desculpa esfarrapada demais para a maioria de nós entender. Por mais que se trate de um vídeo antigo que só veio a público agora – em que tudo sobre Cachoeira está na crista da onda - nele o que se pode ver é um político que se mostrava a cara do novo, usando métodos tão arcaicos e duvidosos para se eleger, quanto os que acusava e ainda acusa seus adversários políticos de perpetuarem.
É uma pena, Raul!
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