Aos 88, Siqueira é homenageado e relembra parte da história que ajudou escrever

Um aniversário marcado por homenagens, além das missas tradicionais que manda rezar sempre, registrou nesse começo de agosto os 88 anos de Siqueira Campos, fundador de Palmas, capital do Tocantins

Siqueira relembra a história do Tocantins
Descrição: Siqueira relembra a história do Tocantins Crédito: Fotos: Felipe Tum

Os 88 anos muito intensamente vividos pelo homem que já foi criador de gado, madeireiro, vendedor de loja, auxiliar de escritório do histórico Luiz Carlos Prestes movimentaram ontem, segunda-feira, 1º de agosto, uma certa alameda sombreada da antiga Arse 21, moderna 204 Sul de arranha-céus da cidade que ele próprio fundou.

 

José Wilson Siqueira Campos, ex-governador do Estado por quatro mandatos, chamado respeitosamente de governador até hoje pelos que o têm na galeria dos que fizeram a história do Tocantins e de Palmas, ouvia músicas antigas às três da tarde, quando recebeu a equipe do T1 Notícias e do SBT para uma conversa sobre a idade, o tempo, o legado e a visão que tem da capital cujas ruas abriu entre pastos de três fazendas há 27 anos, no auge da vida e carreira política.

 

É um Siqueira lúcido, consciente de tudo, e aparentemente recuperado do quadro que o levou a ser hospitalizado na UTI do IOP há cerca de dois meses. O cansaço, os eventuais lapsos de memória não o incomodavam mais neste começo de agosto, do que a notícia do AVC intenso sofrido pelo amigo, desembargador Antonio Gadotti, que comentou pesaroso, enquanto tentava por telefone falar com a esposa, Fátima, para ter mais notícias. “Veja, eu passei mal, fiquei aqui, num hospital equipadíssimo, o Gadotti sofreu essa coisa toda e está em outro hospital de excelente qualidade (Unimed). Palmas hoje é uma referência em Saúde. Isso me dá muito orgulho”, comentou em meio à conversa sobre reminiscências do passado.

 

Gratidão a Deus

 

Este ano, diferente da rotina de décadas, Siqueira não foi à Arraias para a missa matinal em celebração ao seu aniversário. Optou por ficar em Palmas e celebrar a vida à noite, na Missa que foi rezada às 19 horas na Catedral do Divino Espírito Santo. “Cada avanço dos números me surpreende”, respondeu ele quando perguntei como se sentia fazendo 88 - “o pai tem sido generoso comigo!”.

 

A Catedral ter recebido o nome do Divino Espírito Santo, por quem José Wilson tem devoção desde os tempos de menino, é um outro causo, que ele conta como um sinal dos céus. “Esta cidade é do Divino Espírito Santo”, brada. “Foi construída sob a luz e a inspiração dele… E eu nunca pedi para colocarem o nome dele na Catedral. Quem decidiu? O Papa foi quem pois, o próprio Vaticano”… conta ele, interrompido pelo telefone que não para de tocar, com ligações de amigos. Na mesa, uma cesta com uma bela Orquídea, e víveres de toda espécie. Diante dele, um cartão do presidente do Tribunal de Justiça, Ronaldo Eurípedes, com seus mais valorosos cumprimentos, e a coleção dos livros de Laurentino Gomes, com a história do Brasil Império ao Brasil República, que ele folheia e comenta: “aqui já teve ter uma menção ao Tocantins, aos movimentos”.

 

A memória de Siqueira é um baú de acontecimentos que contados por ele, mais parecer saga, digna de filme…

 

Um fato que mudou a vida

 

Peço para que ele escolha um acontecimento que mudou a sua vida, e que se não ocorresse poderia ter dado outro rumo à história. Ele não titubeia: “quando fui preso”.

 

Mas antes disso muita história aconteceu. “Era 18 de março de 1964, quando eu dei partida no meu jeepão Toyota na porta da casa da Rua Castro Alves 219, em Campinas para vir embora…Na porta meu pai se despedia de mim com um aceno. Eu levantei e acenei a mão para ele. Ele estava assim com os olhos foscos e uma expressão que me deu a sensação que eu não o veria mais vivo”, conta Siqueira.

 

Era uma época em que o antigo Norte não tinha telefone, nem rádio. “Eram 10 escolas de segundo grau, duas agências bancárias na região toda, uma em Carolina..” rememora para descrever o cenário daquele Brasil que pedia para ser desbravado.

 

Para a região, Siqueira tinha se mudado depois de fazer uma reunião com as três “sócias”da pequena empresa que tinha criado em Campinas a partir de um saco de BHC, que comprou fiado, e o dono da loja foi entregar, para saber onde ele morava… “Só vendiam de 25 kilos. Comprei um saco fiado, mandei imprimir com um gráfico amigo meu pacotinhos de 100 e 250 gramas, que era o que o povo queria. O Eduardo, coitadinho, era pequeno e ficou com as mãos feridas de pegar aquilo e colocar nos saquinhos, ele tinha alergia”… O carinho do pai pelo filho é evidente… ele interrompe a entrevista e manda buscar uma foto de Eduardo, loiro, com uns cinco anos de idade, montado em um burro, na região de Bandeirantes, onde Siqueira tinha fazenda.

 

Voltando à narrativa, ele conta o nome da empresa que o saco de BHC originou: Restelma, uma mistura do nome das três filhas que teve com Dona Aureny: Regina, Stela e Thelma. A primeira tinha 9 anos, a segunda 7 e a terceira quatro, quando ele as reuniu para decidir o futuro da firma e da família. As opções eram: ficar em Campinas e ajudar um Italiano que apareceu por lá a montar uma fábrica de automóveis que ele próprio fabricaria artesanalmente, ou ir ao Norte Goiano conhecer as faladas fazendas de Mogno.

 

“Dois corretores amigos meus viviam me tentando a comprar glebas no Norte de Goiás. As meninas foram unânimes: fazenda, fazenda, fazenda”, ri ele ao recordar.

 

Por isso, quando voltando do Norte, em julho de 1974 para rever o pai, encontrou apenas a notícia de sua morte e sepultamento, Siqueira diz ter se revoltado. “Adquiri de pronto dois rádios para comunicação à longa distância e vim embora. Não queria nunca mais ficar sem notícias de casa”.

 

Os dois rádios, despertaram reação dos que já viam no José Wilson um perigo. Tinha trabalhado com Prestes, articulado a fundação de uma Cooperativa em 1966. Ajudado na reforma da cadeia em que acabou preso. 

 

“Eu incomodava os Boa Sorte, que pensavam que eu seria candidato. E eu não queria saber de política. Fui ser candidato a vereador para ajudar o Zé Cirilo, que tinha me ajudado muito. Era o dono do hotel onde eu guardava minhas coisas quando cheguei, era dono do barzinho”. Conclusão: o equipamento de rádio rendeu a Siqueira a acusação por parte dos irmãos Ademar (“era o mais radical”, conta) e Benedito (“mais civilizado, mas ainda assim, inimigo”) de conspiração, de que Siqueira usava o rádio para fazer propaganda de Cuba. Era suspeito de comunismo.

 

“Mandaram 20 homens da polícia para me prender. Eu juntei 70 e coloquei pra correr”, sorri, ao se lembrar. Depois da polícia veio o Exército e deles não teve como José Wilson escapar.

 

De preso a candidato e deputado federal

 

“Me prenderam na cadeia que ajudei a construir. Fiquei 22 dias preso respondendo IPM. Não sai indiciado, sai candidato e decidi que queria ser deputado federal. Já que era para brigar, que fosse briga grande”, relembra. Siqueira conta que o próprio Exército participou do lançamento da sua campanha em seguida ao episódio da prisão. “O General Dióscoro do Vale pediu desculpas pelo ocorrido diante da comunidade. Fomos em frente” …

 

Interrompido mais uma vez, Siqueira para para atender o telefonema de uma certa Consuelo. Fala animadamente, pergunta pela vida dos filhos e se despede. “Sabe quem é a Consuelo? Minha primeira namorada”- sorri e emenda - “já levei a Marilúcia lá para conhecê-la”.

 

O legado de governador, três vezes

 

Falando do tempo, Siqueira volta ao presente para falar de Palmas. “Quando eu ando por ai, me questiono: será que foi o Siqueira que fez?”, brinca. E emenda: “não, claro que não fiz nada sozinho. Muitos ajudaram”. Avaliando o ponto em que a capital se encontra ele resume: “a cidade está preparada para crescer mais e se tornar base para o crescimento dessa região toda e uma referência para o Norte e parte do Nordeste”.

 

Nos olhos, o mesmo brilho sonhador. Sem citar ninguém, reclama de não ter tido a anuência do prefeito para construir o metrô de superfície. Quando governador, Siqueira e Amastha travaram uma disputa política entre os projetos do Metrô e do BRT.

 

“Eu lamento ver as mortes desses rapazes em cima de motos. E é um veículo leve, barato, muito utilizado. Nós projetamos tudo para ter as pistas separadas, com proteção para eles, mas não foi adiante”, lamenta.

 

Sem citar nomes nem fazer críticas a adversários, Siqueira se lembra dos que duvidaram de Palmas e chamaram o Palácio Araguaia e os prédios das secretarias de “elefante branco”. “Era isso o que diziam, e aí está… Olha essa praça dos Girassóis… Onde as pessoas vão fazer suas caminhadas...É uma das maiores do mundo. Tenho orgulho de tudo isso. O presidente Sarney quando veio à Palmas, chorou. Ele não acreditava que seríamos capazes de fazer tanto em tão pouco tempo”, rememora.

 

Interrompendo a entrevista novamente, o governador chama Maria Teresa, uma das fiéis escudeiras que permanece ao seu lado. “Pede a doutora para mandar o fóssil do Girassol…”

 

Pouco depois, chega a pedra. A pergunta, desta vez de Shirley Cruz, é respondida. “Por que o senhor escolheu o Girassol como símbolo? Foi por causa do fóssil?” Siqueira responde que não. O fóssil foi encontrado num rio em Goiatins.

 

“Sempre gostei de flores da prosperidade. Flores marcadas pela luz do sol”, explica e aponta para uma moita, verde e amarela no pátio da casa. “Olha alí o pingo de ouro. Gosto muito”.

 

A conversa é novamente interrompida pela chamada telefônica do Monsenhor Rui. Ele atende enquanto vão chegando amigos, prefeitos do interior para lhe visitar.

 

Deixe o seu recado ao Tocantins nesse dia, peço a ele. “A população tocantinense é composta de homens e mulheres que apesar de todas as dificuldades mantêm seu jeito simples e trabalhador. Gente que acredita, ainda que esteja vendo coisas que não vão bem. Eu gostaria de ter feito muito mais, mas tudo tem seu tempo. Eu gostaria de ter deixado o Tocantins como um dos estados mais desenvolvidos da federação e do mundo, mas fiz o que pude, no tempo que me foi dado”, resume.

 

Levantamos para ir embora com a sensação de que caberia muito mais. Ao dar mais uma vez os parabéns, pela vida, pelo dom de fazer história, ouvimos dele. “É Deus em primeiro lugar e a população que sempre nos ajudou. Eu tenho mutuo orgulho dessa cidade. A presença divina aqui é muito forte. Sempre se lembre disso: Palmas foi a capital construída pela luz de Deus e do Divino Espírito Santo”.

 

(Atualizada às 17h27)

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