Grupo de mulheres se revolta contra PL de Gipão sobre aborto

PL prevê que o Estado forneça exames de ultrassom com batimentos cardíacos para grávidas

Crédito: Koró Rocha/Aleto

A Assembleia Legislativa do Tocantins aprovou uma lei, de autoria do deputado estadual Gipão, que institui a Campanha de Conscientização contra o Aborto em âmbito estadual. O projeto, que agora aguarda sanção do governador, prevê a realização de atividades ao longo do ano, como palestras, seminários e mobilizações, coordenadas pelas Secretarias de Saúde e Educação. A iniciativa terá foco na conscientização de crianças e adolescentes sobre os riscos associados ao abortamento, com ações de sensibilização.

 

Entre as diretrizes da campanha estão a redução dos índices de abortos clandestinos e o incentivo a iniciativas da sociedade civil e ONGs que ofereçam suporte psicológico e social às mulheres que manifestam desejo de interromper a gravidez. O texto também estabelece que o Estado, sempre que possível, deverá fornecer exames de ultrassom com batimentos cardíacos para mulheres grávidas e garantir atendimento médico e psicológico às vítimas de aborto espontâneo. Além disso, a legislação institui o Dia Estadual de Conscientização contra o Aborto, que será celebrado anualmente em 8 de agosto.

 

Organizações manifestam repúdio

Grupos de mulheres no Tocantins emitiram uma nota de repúdio em resposta à aprovação, pela Assembleia Legislativa do Estado, do projeto de lei que institui a “Semana de Combate ao Aborto”. Segundo o documento, a proposta é vista como uma ameaça aos direitos das mulheres, reforçando a criminalização e o julgamento social em torno do aborto. As entidades consideram que a campanha, disfarçada de conscientização, ignora as reais causas que levam muitas mulheres a buscar a interrupção da gravidez em situações de desespero, como as condições econômicas, de saúde e sociais adversas que as colocam em risco.

 

O texto também critica o fato de o projeto incluir crianças e adolescentes nas discussões sobre o aborto, ao invés de focar em ações que promovam a educação para uma vida segura e livre de violência. A escolha da data de 8 de agosto para instituir o “Dia Estadual contra o Aborto” também foi alvo de críticas, sendo essa uma data no calendário do “Agosto Lilás”, que representa a campanha nacional de enfrentamento à violência contra a mulher. 

 

Leia a íntegra da Nota: 


Foi aprovado na Assembleia Legislativa do Tocantins e segue para sanção do Governo do Estado um projeto de lei de autoria do Deputado Gipão que institui a "Semana de Combate ao Aborto". No entanto, essa proposta, que tenta disfarçar-se de campanha de conscientização, na verdade representa uma ameaça direta às mulheres, reforçando a sua criminalização e ignorando as condições sociais, econômicas e de saúde que as levam a buscar esse recurso em situações desesperadoras.

 

Não podemos nos calar diante de um Projeto de Lei - PL proposto por um homem, que quer ditar regras sobre os corpos das mulheres e violar os seus direitos, inclusive previstos em lei!

 

Em seus termos, o PL diz que deve envolver crianças e adolescentes na discussão sobre aborto, quando na verdade deveria empoderá-las para uma vida segura e livre de violências. Ainda, quer definir o dia 08 de agosto como o “Dia Estadual contra o Aborto”. Em pleno mês de agosto, marcado pelo "Agosto Lilás" – uma campanha nacional de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, essa tentativa de impor uma campanha de combate ao aborto é um verdadeiro contrassenso. Em vez de promover proteção, acolhimento e política pública de saúde, o Estado busca intensificar o julgamento e a perseguição das mulheres, supervisionando as realidades de milhares delas que vivem à margem de direitos básicos e condições dignas de saúde.

 

Sabemos que o aborto inseguro e o feminicídio são causas reais de mortes de mulheres no Brasil, especialmente entre aquelas em situação de vulnerabilidade. Esse projeto de lei vai na contramão da luta pela saúde,  e pela vida das mulheres, ignorando que a criminalização apenas contribui para aumentar os riscos e expor ainda mais as mulheres à violência e ao abandono. Quando o aborto é tratado como crime, as mulheres que se veem obrigadas a interromper uma gravidez recorrem a procedimentos inseguros, muitas vezes em condições precárias, o que eleva as chances de complicações graves e até de morte. Esse cenário é agravado para aquelas que, por falta de recursos financeiros e apoio social, não têm acesso a um sistema de saúde que as acolha de forma digna e segura.

 

O aborto inseguro é uma das principais causas de morte materna no Brasil, principalmente entre mulheres pobres e negras, que enfrentam as consequências cruéis de uma criminalização que não considera suas realidades. De acordo com dados do Ministério da Saúde, milhares de mulheres são internadas todos os anos devido a complicações resultantes de abortos clandestinos, por outro lado, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no Brasil, 75% das vítimas de estupro têm menos de 14 anos de idade. O país registra um caso de estupro a cada 8 minutos. Essa realidade de desproteção às meninas e mulheres é reforçada pela negligência e pela violência do poder público, como foi o caso da menina de 11 anos, vítima de estupro em Santa Catarina, que foi impedida de exercer seu direito de interromper a gravidez, mesmo com a garantia legal para casos de estupro e risco à vida. Exemplos como este apenas reforçam o controle sobre os corpos das mulheres, enquanto desconsideram o impacto mortal de leis punitivas. Precisamos lembrar que o direito ao aborto em casos de estupro, risco de vida e anencefalia já é assegurado por lei, mas as mulheres ainda são, muitas vezes, violentadas por uma sociedade e um sistema que falham em protegê-las.

 

Ao invés de investir em políticas de saúde pública que garantam o direito à vida e à integridade das mulheres, o PL perpetua uma visão punitivista e ignorante sobre a realidade dessas mulheres. A ausência de políticas de educação sexual, planejamento familiar e acesso a métodos contraceptivos é um reflexo do abandono e da negligência para com a vida das mulheres, especialmente das mais pobres. Em vez de apoiá-las, garantir  criminalizá-las apenas as empurram para um ciclo de dor e de exclusão.

 

Apelamos ao governador Wanderlei Barbosa para que rejeite esse Projeto de Lei, que agrava a criminalização das mulheres e ignora as realidades difíceis que muitas enfrentam. O Tocantins precisa de políticas que promovam saúde, dignidade e proteção para todas.


 

Assinam esta nota:

 

Secretaria de Mulheres do PCdoB Palmas-TO

 

Outras Observatório Feminista
 

Centro de Defesa dos Direitos da Criança e Adolescente - Cedeca Glória de Ivone 
 

Grupo de Estudos de Mulheres Negras do Tocantins - Adinkra
 

União da Juventude Socialista - UJS Tocantins 
 

Centro de Direitos Humanos de Palmas - CDHP
 

Grupo Feminista Dina Guerrilheira 
 

Movimento dos Atingidos por Barragens - MAB
 

Projeto de extensão Terças Feministas da UFT


 

 

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