Relatório da CPI da Pandemia pede indiciamento de Bolsonaro e mais 65 pessoas

O texto do relatório será votado na próxima terça-feira, 26, e precisa ser aprovado por maioria simples dos senadores.

Crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Após seis meses de trabalhos, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia do Senado, fez nesta quarta-feira, 20, a leitura de um resumo do parecer final na comissão. O texto será votado na próxima terça-feira, 26, e precisa ser aprovado por maioria simples dos senadores. No texto, o relator pede 68 indiciamentos, de 66 pessoas e duas empresas, dentre os quais o do presidente, Jair Bolsonaro, cujas penas imputadas chegam a 78 anos de reclusão.

 

Uma delas é a Precisa Medicamentos, que intermediou a negociação de um contrato que acabou cancelado pelo Ministério da Saúde para a aquisição de 20 milhões de doses da vacina indiana Covaxin. A outra é a VTClog, contratada pelo Ministério da Saúde para cuidar da logística da distribuição de vacinas e insumos contra a Covid-19, que também é suspeita de irregularidades.

 

Entre os nomes da lista estão o do presidente da República, Jair Bolsonaro, e de quatro ministros: Marcelo Queiroga (Saúde), Onyx Lorenzoni (Trabalho e Previdência), Wagner Rosário (Controladoria-Geral da União) e Walter Braga Netto (Defesa). Constam ainda, entre as sugestões de indiciamento, os ex-ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores) e Eduardo Pazuello (Saúde). Entre os parlamentares, a lista traz os deputados federais Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, Osmar Terra (MDB-RS), Carla Zambelli (PSL-SP), Bia Kicis (PSL-DF) e Carlos Jordy (PSL-RJ), além de três filhos do presidente, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o senador Flávio Bolsonaro (Patriotas-RJ) e o vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos).

 

Também figuram no rol de pedidos de indiciamentos Luciano Hang, Otávio Fakhoury, Carlos Wizard, além da médica Nise Yamaguchi e do virologista Paolo Zanotto, todos nomes apontados como sendo de integrantes de um gabinete paralelo de aconselhamento do presidente na pandemia.

 

“O conteúdo do relatório e de todos os documentos relevantes da investigação deverá ser compartilhado com as autoridades responsáveis pela persecução criminal, quer em primeiro grau quer no âmbito dos tribunais para pessoas com foro por prerrogativa de função. Além disso, haja vista a caracterização de crimes contra a humanidade, os documentos também serão remetidos ao Tribunal Penal Internacional, tendo em vista a inação e incapacidade jurídica das autoridades brasileiras na apuração e punição desses crimes”, disse Renan.

 

Pela manhã, antes do início da leitura do relatório, durante agenda na cidade de Russas, no Ceará, o presidente Bolsonaro disse "não ter culpa de nada" e criticou os trabalhos da CPI. Segundo o presidente, os senadores do colegiado "nada produziram a não ser ódio e rancor". "Como seria bom se aquela CPI estivesse fazendo algo de produtivo para o nosso Brasil. Tomaram tempo do nosso ministro da Saúde, de servidores, de pessoas humildes e de empresários. Nada produziram a não ser o ódio e o rancor entre alguns de nós", disse Bolsonaro. "Mas nós sabemos que não temos culpa de absolutamente nada", afirmou o durante discurso.

 

Vacinas

 

No relatório, Renan Calheiros avalia que houve um “atraso deliberado na compra de vacinas” e que essa foi a mais grave omissão do governo federal no enfrentamento da pandemia de Covid-19 no país. Para o relator, o governo priorizou "a cura via medicamentos", " a imunidade de rebanho" e não a prevenção pela imunização. Ele citou estudos que estimam que 12.663 pessoas com 60 anos ou mais de idade não teriam morrido nos meses de março, abril e maio de 2021 caso o Ministério da Saúde tivesse contratado, em agosto de 2020, as 70 milhões de doses da vacina Pfizer.

 

Ainda sobre a compra de imunizantes, o documento diz que "o governo optou por comprar vacinas de atravessadores, sem controle rígido, enquanto farmacêuticas renomadas eram colocadas de lado, favorecendo negociações com aproveitadores". Calheiros disse que, “além da criminosa negligência quanto à proteção da saúde dos brasileiros, o governo era permeado por interesses escusos". Entre os casos citados está o processo de compra da vacina Covaxin, que, na avaliação do senador, contrasta com o desinteresse do governo na contratação das vacinas da Pfizer, Moderna, Janssen e CoronaVac.

 

Prevent Senior

 

O relatório destaca que a CPI revelou a “atuação macabra da Prevent Senior”. De acordo com o texto, a operadora de saúde agiu em parceria com o governo federal para falsear dados e documentos para promover o uso do chamado kit covid, composto por medicamentos sem eficácia contra a Covid-19. “A verdade é que testes clínicos foram conduzidos sem autorização dos comitês de ética em pesquisa, transformando os segurados do plano em verdadeiras cobaias humanas. Ademais, kits com medicamentos foram enviados sem avaliação dos pacientes e de seus riscos, médicos foram perseguidos por se recusarem a prescrever tratamentos ineficazes, mortes por Covid foram ocultadas para ocultar a ineficácia do tratamento, declarações de óbito foram fraudadas para reduzir a morbimortalidade nos hospitais da empresa”, destacou o relator.

 

Imunidade de rebanho

 

O relatório destaca que a comissão colheu elementos de prova que demonstram que o governo federal foi omisso e optou por agir de forma não técnica no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus, "expondo deliberadamente a população a risco concreto de infecção em massa". O relator conclui que ficaram comprovadas a existência de um gabinete paralelo, a intenção de imunizar a população por meio da contaminação natural, a priorização de um tratamento precoce sem amparo científico de eficácia e  o desestímulo a medidas não farmacológicas.

 

Paralelamente, acrescenta Renan Calheiros, houve deliberado atraso na aquisição de imunizantes. “Com esse comportamento, o governo federal, que tinha o dever legal de agir, assentiu com a morte de brasileiras e brasileiros”, destacou.

 

Durante a apresentação do relatório, Calheiros afirmou que o governo federal deu ênfase em proteger e preservar a economia, bem como incentivar a manutenção das atividades comerciais. O senador destacou uma propaganda oficial do governo que dizia "o Brasil não pode parar". “Visando atingir a imunidade de rebanho pela contaminação, o governo federal, em particular o presidente Jair Messias Bolsonaro, com o uso da máquina pública, de maneira frequente e reiterada, estimulou a população brasileira a seguir normalmente com sua rotina, sem alertar para as cautelas necessárias, apesar de toda a informação disponível apontando o alto risco dessa estratégia”, afirmou.

 

Kit covid

 

De acordo com Renan Calheiros, outra bandeira levantada pelo governo foi a defesa "incondicional e reiterada" do uso de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, entre outros medicamentos.

 

Em outro ponto do texto, o relator ressalta a falta de articulação do governo federal com os estados, o Distrito Federal e os municípios no combate à pandemia. Para ele, faltou planejamento nas ações de aquisição de insumos estratégicos e na elaboração de planos tático-operacionais.

 

Distanciamento social

 

Para o senador, sobram evidências significativas de que o governo federal desestimulou a população a adotar medidas não farmacológicas para evitar a infecção pelo novo coronavírus. Segundo o relator, o presidente repetidamente "incentivou a população a não seguir a política de distanciamento social, opôs-se de maneira reiterada ao uso de máscaras, convocou, promoveu e participou de aglomerações e procurou desqualificar as vacinas contra a Covid-19". 

 

Fake news

 

A propagação das notícias falsas foi outro ponto destacado hoje. Segundo Calheiros, esses conteúdos geraram um clima de desconfiança na população e incentivaram as pessoas a "agir com leviana normalidade". “A CPI apurou que não apenas houve omissão dos órgãos oficiais de comunicação no combate aos boatos e desinformação, como também existiu forte atuação da cúpula do governo, em especial do presidente da República, no fomento à disseminação de fake news, que, pelo que observou a CPI, também mata e matou no Brasil muitas pessoas, cujas mortes poderiam ter sido evitadas”, disse.

 

Diplomacia

 

O relator trouxe ainda o que considerou erros de estratégia que teriam sido cometidos pelas gestões de Eduardo Pazuello, no Ministério da Saúde, e de Ernesto Araújo, no Ministério das Relações Exteriores, nas sucessivas comunicações diplomáticas relacionadas ao enfrentamento da covid-19. “Todos sabem que quando a OMS ofereceu a possibilidade de comprar, através do consórcio Covax Facility, imunizantes equivalentes a 50% da população brasileira, o governo optou pela compra de 10%”, disse o senador.

 

Amazonas

 

Sobre o Amazonas, Renan Calheiros  disse que o governo federal tinha ciência da alta probabilidade de colapso, inclusive com carência de insumos necessários no estado. “Essas ações e omissões revelaram que, a um só tempo, o povo amazonense foi deixado à própria sorte e serviu de cobaia para experimentos desumanos”, criticou.

 

Renan Calheiros também ressaltou no relatório que as denúncias de irregularidades relacionadas à Covaxin foram levadas ao conhecimento do presidente por um funcionário de carreira do Ministério da Saúde, Luis Ricardo Miranda, e por seu irmão, o deputado Luis Miranda. No entanto, a Polícia Federal não foi acionada para apurar o caso.

 

Outro ponto que se mostrou incompatível com um contrato bilionário de vacinas, segundo o relator, foi a quantidade de erros existentes na invoice (tipo de nota fiscal) entregue ao Ministério da Saúde para a concretização da importação do imunizante.

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