Se o leitor atento pegar uma calculadora, fizer uma busca no google e somar todos os milhões anunciados recentemente pelo governo do Tocantins como recursos garantidos para investimentos em obras; mais o que os parlamentares anunciam como conquista sua também para programas e obras; mais o que o governo federal anuncia para os seus programas, chegaremos a uma cifra impronunciável.
A vontade de mostrar que está fazendo vai levando cada protagonista da cena política e administrativa do Estado a buscar a imprensa e divulgar, anunciar, alardear o que está conquistando na sua atuação diária, em benefício dos que representa.
É a roda viva que sustenta a política: campanha, busca do voto, eleição, mandato e o retorno em obras, que gerem empregos ou programas que gerem melhoria de vida, etc e tal.
O problema é que os anúncios são em grande número e a mudança na vida diária acontece bem mais lentamente. E atrás das grandes cifras, normalmente tem grandes negócios, gente ganhando muito dinheiro, seja intermediando, seja liberando pagamentos.
No dito popular a verdade é que são muitos criando dificuldade para vender facilidades.
O ceticismo que toma conta da população ao assistir essas repetidas cenas é portanto mais do que compreensível.
No caso dos repórteres convocados todo dia para cobrir tudo que é anunciado - e nós nas redações recebendo e publicando releases em que cada um se anuncia “dono” do benefício conquistado - a “overdose” provoca desconfiança.
É por isso que as “grandes obras” dezenas de vezes anunciadas - e a cada vez que uma movimentação acontece na máquina burocrática do Estado, repetidas -normalmente são consideradas lendas urbanas.
Ferrovia Norte-Sul. Hidrovia Tocantins. Eclusa do Lageado. Metrô de Superfície.
Estes nomes normalmente nos causam arrepios. Explico porque. Vejam o caso da ferrovia. Os trilhos avançaram, as empresas já começaram a comprar lotes e se instalar às suas margens. Ela de fato está avançando. Mas o tempo que se transcorreu entre o anúncio e os dias de hoje, as obras - paralisadas por denúncias e auditoria do TCU – e principalmente os milhões despejados nestes trilhos já fizeram desta ferrovia uma decepção.
Fosse no Japão, no mesmo tempo e com o mesmo dinheiro, provavelmente já teriam construído duas.
O problema endêmico da corrupção que cerca as grandes obras, não é exclusividade do Tocantins. Vejam a lentidão com que avançam as obras necessárias para que o Brasil sedie a Copa do Mundo. A coisa emperra, para, não vai.
Voltando ao Tocantins e seus sonhos de futuro.
Hidrovia Tocantins é o sonho da vez
É preciso sonhar. O Estado é prova da materialização de um sonho de muitos. Sua criação envolveu atos, símbolos, resistência, articulação política.
Há uma semana, ouvindo uma conversa entre o governador Siqueira Campos, o presidente da EPL, Bernardo Figueiredo, o representante do CDB (Banco de Desenvolvimento da China) Weindon Zhou e a senadora Kátia Abreu, na coletiva que aconteceu na casa da senadora, todos estes questionamentos passaram pela minha mente.
O que faz uma grande obra, estratégica acontecer? O que separa o sonho que fica no papel da realidade que se materializa? (Fiquei alí lembrando do filme Xingu, fantástica produção nacional que quem não viu ainda precisa ver ).
O governador fazia um mergulho no passado, lembrando uma conversa que teve com o presidente João Figueiredo. Eram os idos de 1973 e o projeto de Tucuruí tramitava no Congresso.
Siqueira, Figueiredo e Tucuruí
Conta Siqueira que - então deputado federal – procurou o presidente para falar com ele sobre o contrassenso que seria construir a Usina sem o projeto da Eclusa. O presidente Figueiredo teria telefonado imediatamente para o Ministro Andreazza e perguntado se a informação de Siqueira era verdadeira. Ouviu do ministro que sim, e que para fazer o projeto da eclusa a obra ficaria 10% mais cara.
‘Tenho que fazer justiça ao presidente Figueiredo, que entendeu a importância e autorizou a inclusão da Eclusa no projeto”, relembrou o governador.
O presidente da EPL (empresa criada pela presidente Dilma Roussef para cuidar de logística), Bernardo Figueiredo, emendou: “O Brasil está atrasado 30 anos. Sentamos nos nossos problemas e o tempo passou”.
A consequência é que coube agora ao governo Dilma Roussef compreender a necessidade de pensar o País de forma razoável. “As estradas foram feitas nas últimas décadas sem um planejamento logístico que interligasse todo nosso sistema de transporte – estradas, ferrovias, portos - com o objetivo de tornar nossos produtos competitivos”, lembrou a senadora Kátia Abreu, na mesma conversa.
É verdade.
Talvez por isso para a nossa geração, os grandes planos, as grandes obras soem assim como uma miragem, de fato.
Senso de urgência e oportunidade
É que eles não aconteceram nos últimos 30 anos no Brasil. Nós não vimos a Belém Brasília ser aberta, o interior do Brasil ser conquistado, Brasília ser construída. E esta parada nas décadas recentes nos tornou atrasados demais.
O desafio, tanto lá, em Brasília, como aqui, é tirar esses grandes planos do campo dos sonhos e do papel para materializá-los.
Ah, sobre a pergunta que eu me fazia sobre o que faz a diferença e acaba provocando que as coisas aconteçam, o próprio Bernardo Figueiredo acabou me respondendo, sem que fosse preciso perguntar.
“Eu estava em uma viagem internacional, cheguei ao Brasil e nem fui em casa ainda. Vim para cá, participar desta reunião. O que faz as coisas acontecerem é a visão estratégica das coisas e o senso de urgência, que vocês aqui têm”, disse ele.
Na questão da Hidrovia, para se fazer justiça é preciso dizer que é um sonho antigo do governador Siqueira Campos, que a senadora Kátia Abreu assumiu e comprou a briga. Bernardo a elogiou: “A senadora foi à China, trouxe o banco, vendeu o projeto. Tem senso de urgência”. Fecha parêntese.
A obra é cara. Envolve licenças ambientais. É preciso vencer obstáculos naturais como o tal Pedral do Lourenço. Construir duas eclusas, sinalizar a hidrovia.
É coisa que com sorte, veremos funcionando na prática entre cinco e dez anos. Isto se os nossos governantes, homens e mulheres com mandatos e a prerrogativa de definir a aplicação do dinheiro público avançarem para retirar do campo do imaginário as grandes obras, estratégicas.
Então veremos uma lenda urbana se tornar realidade diante dos nossos olhos. E poderemos dizer que fomos testemunhas.
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