Perdão, Senhor, eles sabem o que fazem

Perdão. A primeira vez que ouvi essa palavra foi que ela havia no mundo para recorrer a algum comportamento inadequado ou feito alguém sofrer. Pronunciá-la significava redimir-se. Acontece que a pronúncia consagra-se pelo uso. Passei a usá-la ao léu, de uma topada batendo em alguém na rua sem querer ou simplesmente porque achava que tinha subido o tom desnecessariamente com alguém. Virou febre em minha boca. Perdão.

 

7 de abril. No calendário, é dia do jornalista. Parabéns a todos os jornalistas. Não vou pelo gênero, perdão. Deu preguiça. Firmar-se o tempo todo é chato e eu só quero pedir perdão. Também é aniversário de um ano de uma cirurgia que fiz sem ninguém saber de quê e eu não estava preparado para dizer, exceto para uma irmã minha por conta de algumas cervejas na cabeça. Isso não tem perdão.

 

Também me surgiu uma dúvida cruel: é um abajur cor de carne ou de carmim? Aquela música do Ritchie, lembra? Não? Perdão. Ainda canto dos dois jeitos no banheiro, claro. Hoje também comi carne vermelha, devo ter perdido um monte de créditos lá em cima, ou lá embaixo. Perdão.

 

Não sou muito de bases científicas não. Curto mesmo é Elis Regina, Milton Nascimento, Marília Mendonça, Anitta, Flávio José, Magníficos, Saramago. Assim como sou fã de Jesus Cristo, mesmo sem ter a resposta de que ele passou realmente por aqui. Fiquei assim depois de ler Richard Dawkins em “Deus um delírio”. Consegui lê-lo. Era outro zeitgeist.

 

Para quem a gente perde perdão com os atentados nas escolas desse país? Por favor, deixem Deus fora dessa! E as chuvas intensas que carregam e matam pessoas no norte/nordeste/sudeste? Para quem se virar e pedir perdão? E se eu me trancar no quarto de minha casa que consegui com muito trabalho e rezar, vou ser perdoado?

 

Perdão eu peço a Zé Celso Martinez, 86 anos, um dos criadores do Teatro Oficina que anunciou seu casamento com outro cara depois de 36 anos... mesmo eu torcendo a boca. Etarismo puro. Estão determinando nosso prazo de validade. Perdão.

 

O padrão das minhas noites mal dormidas, da coreografia que errei naquele ponto depois de tentar impressionar, do receio de não gozar no tempo certo... E eu fico me perguntando por que a gente chama Paixão de Cristo. Paixão para mim é descer a ladeira, ir pro beco e beijar outras bocas e tantas. Paixão é aquilo que provoca, enebria e nos mata. Perdão, Jesus. Nem sei seu endereço, mas perdão.

 

Gosto mesmo é de me enfurnar em meu quarto sem ter que ser delicado com ninguém e ouvir: “Oh, pedaço de mim. Oh, metade afastada de mim. Leva o teu olhar que a saudade é o pior tormento. É pior do que o esquecimento. É pior do que se entrevar”, do Chico Buarque, de voz irritante para mim, mas um letrista e cara foda!

 

Perdoe-nos, Jesus. Pois todos sabemos o que fazemos. Nós também o enganamos.

 

Por Ramiro Bavier

Comentários (0)