O Ministério Público Federal no Tocantins ajuizou na Justiça Federal mais uma ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra o ex-presidente da Valec – Engenharia, Construções e Ferrovias S/A, José Francisco das Neves, conhecido como Juquinha, relativa a irregularidades na gestão de recursos federais aplicados na construção da Ferrovia Norte Sul no Tocantins.
Também são citados na ação o ex-diretor de Engenharia Ulisses Assad, o ex-presidente da Comissão de Licitação Cleilson Gadelha Queiroz, o ex-superintendente de Construção André Luiz de Oliveira, o ex-superintendente do Ramo Norte Otoniel Andrade Costa e o ex-superintendente de Obras Luiz Carlos Oliveira Machado, todos da Valec.
Ainda são réus na ação o funcionário da empresa Engevix Engenharia SA Fernando Luiz Veloso Campos, o gerente operacional Augêncio Leite Ferreira Netto, o gerente administrativo José Eudes de Lemos Vasconcelos e o diretor de Constratos Pedro Augusto Carneiro Leão Neto, todos da Construtora Norberto Odebrechet, além da própria pessoa jurídica Construtora Norberto Odebrechet SA.
Indisponibilidade
Com o fim de assegurar o resultado útil do processo judicial, a ação requer que seja concedida medida liminar que determine a indisponibilidade dos bens dos demandados em quantia equivalente ao desvio dos recursos públicos detectado. Com a análise da planilha orçamentária contratual em comparação com os preços de mercado, o Tribunal de Contas da União constatou um sobrepreço global de R$ 36.539.811,91. Se condenados, os réus na ação de improbidade estão sujeitos ao ressarcimento integral do dano, à perda da função pública que estejam exercendo à época do proferimento da sentença, à suspensão de seus direitos políticos, à proibição de contratar com os poderes públicos, à proibição de receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditício e pagamento de multa civil.
Segundo a ação, Juquinha das Neves, Ulisses Assad e Cleilson Gadelha Queiroz frustraram o caráter competitivo da concorrência promovida pela Valec mediante inserção no edital de várias cláusulas restritivas da concorrência com o intuito de outorgar à Construtora Norberto Odebrecht (CNO) vantagens decorrentes da adjudicação do objeto da licitação. Posteriormente, durante o período de vigência do contrato firmado entre a CNO e a Valec, de julho de 2006 a agosto de 2009, e com a participação de Augêncio Leite Ferreira Netto, José Eudes de Lemos Vasconcelos e Pedro Augusto Carneiro Leão Neto desviaram verba pública federal em proveito da CNO por meio de pagamentos superfaturados.
Por sua vez, André Luiz de Oliveira, Otoniel Andrade Costa, Luiz Carlos Oliveira Machado Fernando Luiz Veloso Campos Augêncio Leite Ferreira Netto, José Eudes de Lemos Vasconcelos e Pedro Augusto Carneiro Leão Neto desviaram, em proveito da CNO, verba pública federal por meio de subcontratações ilícitas.
Após ser sagrada vencedora no certame licitatório, a CNO foi contratada para realizar as obras de infraestrutura e superestrutura ferroviárias e obras de arte especiais no trecho Ribeirão do Tabocão – entrocamento da TO-080 (lote 9, concorrência nº 002/2005), a que ser refere a atual ação de improbidade. O trecho tem extensão de 132 Km e foi orçado inicialmente em R$ 348.657.117,55.
Apenas em relação ao item dormentes, os valores orçados foram de R$ 316,34 enquanto o valor de referência chegava a R$ 243,11. Estes valores se tornam significativos quando multiplicados pela quantidade prevista para o trecho, chegando ao total desviado de R$ 16.844,682,09. Do mesmo modo, constatou-se os gestores da Valec permitiram que se pagasse à CNO um índice de Benefícios e Despesas Indiretas (BDIs) absolutamente excessivo, demonstrando o real empenho deles em favorecer a empreiteira e lesar o erário, encarecendo a obra sem causa jurídica. Em desacordo com o valor de referência, fixado em 23,90% pela equipe do TCU como o valor máximo de mercado a ser legalmente pago pela Valec, a CNO adotou em seu contrato o BDI de 45,67%, bem superior ao padrão para obras deste porte, o que evidencia a existência de lucro excessivo e abusivo em detrimento do erário.
Quanto às subcontratações ilícitas, prática sequer autorizada formalmente pela Valec, os executores do lote 9 da ferrovia dividiram a obra em seis frentes de trabalho, entregando três delas a empreiteiras locais, que tinham condições de executar a obra por preço bem mais baixos que os recebidos pela Valec. Desta forma, mais uma vez foi fraudada a licitação, já que na prática todas as supostas garantias de qualidade oferecidas pela CNO foram descartadas. A ferrovia estava sendo construída por empreiteiras que nem de longe lograriam ser habilitadas no processo licitatório que continha cláusulas restritíssimas de competição. Com esta manobra, a CNO obteve um lucro adicional de R$ 5.407.568,11.
Cinco ações civis já propostas
Somente no Tocantins, esta é a quinta ação civil de improbidade administrativa contra Juquinha, Ulisses Assad e outros funcionários da Valec, além de empresários e empreiteiras responsáveis pela execução das obras da ferrovia no estado. Além de duas as ações que já obtiveram a indisponibilidade dos réus (diretoria da Valec e empresas Andrade Gutierrez e SPA Engenharia), também tramita na Justiça Federal outra ação contra a Construtora Andrade Gutierrez SA e seus diretores, esta relativa ao lote 14, no trecho entre o Córrego Cabeceira Grande (Km 927,76) e o Córrego Chicote (Km 1029,89). A outra ação já proposta é contra a Construtora Tiisa – Triunfo Iesa Infra-Estrutura SA e seu presidente, Mário Pereira, referente à execução do lote 15, trecho entre o Córrego Chicote, (Km 1.029,89) e o Rio Canabrava, (Km 1.095,71). Todas as ações requerem a indisponibilidade dos bens no valor dos desvios, sempre da ordem de milhões de reais.
Ainda estão em trâmite na Polícia Federal três inquéritos policiais instaurados por determinação da Procuradoria da República no Tocantins contra as empresas SPA Engenharia, Indústria e Comércio Ltda., CR Almeida SA Engenharia de Obras e Construtora Norberto Odebrecht SA, além de um inquérito civil público ainda sob análise da PR/TO, referente a obras da SPA Engenharia, Indústria e Comércio Ltda.
Loteamento das obras
Todos os desvios relativos às obras da Norte Sul no Tocantins foram possíveis graças a irregularidades cometidas ainda no processo licitatório para escolha das empreiteiras. Análises do TCU e do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal apontam que o edital de concorrência foi arquitetado pela gerência da Valec de modo a restringir severamente a concorrência, permitindo o “loteamento” da ferrovia, com a consequente cartelização das empreiteiras.
As ações civis já propostas ressaltam que as cláusulas restritivas da concorrência surtiram efeitos devastadores, gerando um verdadeiro rateio de obras entre as empreiteiras. Em razão das cláusulas restritivas de participação nenhum lote contou com mais de duas licitantes habilitadas. Apenas seis empresas foram habilitadas, apesar de 15 terem participado. Destas, todas foram contempladas com ao menos um lote: Iesa (atual Tiiesa), Galvão e Constran, cada uma com um lote, e Norberto Odebrecht, Spa e Andrade Gutierrez, com dois lotes cada. A manobra permitiu o favorecimento das empresas vencedoras e consequente desvio de recursos por meio de sobrepreço.
O próprio orçamento-base constante no edital já vinha recheado de valores que beneficiavam as empresas em detrimento do erário. Em razão da ausência de competição real entre as empresas, as vencedoras sequer tiveram o trabalho de abaixar os preços constantes no orçamento-base, o que é comum em ambientes em que a competição vigora.
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