Se quisermos ter um Estado que ofereça segurança jurídica, precisamos ter normas claras que alcancem a todos, por isso devemos sempre ter como referência a Constituição Federal. Para tratar desse assunto, volto ao art. 19, I, da CF/88, que assim prescreve: “É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.
A regra é simples, o Estado não pode se meter em assuntos de cunho religioso. Da mesma forma, as igrejas, enquanto instituições, não devem se meter em assuntos de Estado.
A tentativa de um grupo de cristãos, de aparelhar o Estado com normas cristãs é um grande equívoco. Isso já foi tentado na Idade Média, quando por mais de mil anos o mundo ocidental foi governado com valores religiosos. O resultado foram nove cruzadas, um tempo governado pelas trevas, criados os instrumentos de tortura mais elaborados, até então conhecidos, para “purificar” as pessoas do mal. O legado foi desastroso.
Se nós cristãos não queremos um Estado aparelhado por valores de outras religiões, sejam elas quais forem, não podemos querer aparelhar o Estado com normas eminentemente bíblicas e forçar os demais grupos que não tem na Bíblia a sua norma de regra e fé, a viver como nós queremos. E aqui vale citar um ensinamento de Jesus no Sermão da Montanha, em Mateus, capítulo 7, versículo 12: “tudo quanto, pois, quereis que os homens vos façam, assim fazei-o vós também a eles: porque esta é a Lei e os Profetas”.
Temos visto nos últimos vinte e quatro anos, após a promulgação da Constituição Federal, alguns líderes religiosos cristãos de massa, transformarem suas igrejas em verdadeiros currais eleitorais, numa clara substituição dos currais eleitorais antigos, que eram dominados pelo dinheiro e pela força, que ganhou o nome de “coronelismo”. Esses líderes religiosos tem imposto sua força eleitoral com o falso argumento de que são representantes legítimos de Deus na terra, e que Deus os escolheu para serem reis e profetas (reunirem num só pessoa o líder político e o líder religioso). Temos observado no quintal da nossa casa, que esses líderes aterrorizam seus fiéis com ameaças de cunho teológico, inclusive os líderes locais, com transferências, expulsões e todo tipo de pressão.
Essa conduta destoa do ensino bíblico. No antigo testamento, desde a escolha do primeiro rei de Israel, Saul, nunca se concentrou numa mesma pessoa o líder religioso com o líder político.
No novo testamento não encontramos um único exemplo em que os cristãos deveriam “cristianizar” as instituições, leis e as estruturas de Estado. Pelo contrário, todo o ensinamento de Jesus e dos apóstolos foi no sentido converter as pessoas dos seus maus caminhos e dar-lhes um novo caminho proposto por Jesus. A força dos cristãos não está no aparelhamento do Estado com regras e normas bíblicas. A força dos cristãos está no poder da oração, como em Atos, capítulo 16, versículos 19 a 26. No antigo testamento todas as batalhas travadas pelo povo de Deus foram vencidas pela intervenção divina, motivada pela oração do seu povo.
Assim, nós cristãos, não devemos promover o aparelhamento do Estado com valores cristãos. Tanto a bíblia quanto a história da humanidade tem demonstrado que esse caminho sempre leva a uma tragédia. Uma das funções das igrejas é preparar os seus membros para serem as melhores pessoas possíveis, para serem profissionais honestos, inclusive para serem políticos irrepreensíveis.
Dessa forma, o deputado federal Pastor Marco Feliciano, e todos aqueles que têm agido como ele, estão num caminho equivocado, prestando um grande desserviço aos cristãos, maculando o nome da igreja cristã nessa luta insana de tentar achar que Deus precisa de aparelhar o Estado com suas normas. Esses grupos políticos, de representação eminentemente religiosa, que estão constantemente vendendo suas igrejas, comercializando apoio político, tem causado um grande mal a igreja cristã. Estão fazendo o pior que um cristão pode fazer: dar o mau exemplo. Estão tentando levar a igreja cristã de volta para a Idade Média, onde, de forma analógica, todos os administrares públicos e todas as normas eram cristãs. Deu no que deu.
Os valores bíblicos devem ser aceitos de forma voluntária. A Bíblia foi escrita para aqueles que a aceitam como revelação divina. Jamais pode ser imposta através de leis.
Portanto o pastor Marco Feliciano está equivocado. Faz parte daquele grupo de homens que estão transformando suas igrejas em verdadeiros currais eleitorais. Integra grupo de pessoas que estão tentando aparelhar o Estado com valores religiosos. Tudo isso é um retrocesso. O Estado precisa e deve ser aparelhado com valores humanos, como a verdade, a honestidade, a justiça, a plena liberdade e a fraternidade.
É isso.
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