A escola é um lugar de inclusão. Ou pelo menos deveria ser. Observando a polêmica criada na Câmara de Palmas, onde a bancada da família se levantou contra resolução da Secretaria de Estado da Educação para celebrar em três datas durante o ano, o momento da família na escola, fico pensando a que ponto chega a ignorância humana. Seria cômico, se não fosse trágico...
Não falo de ignorância no sentido popular de estupidez, ou “burrice”, no português rasgado. Falo de ignorar o outro. A dor do outro, o desconforto do outro.
Se por no lugar do outro.
Vou contar uma história...
Ano passado, no dia dos Pais, recebi da escola do meu filho um cartão contendo na capa um perfil masculino, com um bigode. E um feliz dia dos pais.
Mas opa... Espera aí.
A escola sabe que ele não tem pai. Aliás, especificamente sobre meu filho a escola sabia muito mais, devido as especificidades dele, de suas necessidades especiais no processo de aprendizagem.
Mas não parou por aí. Houve uma reunião antes. Reunião sobre vários temas na semana que precedeu a comemoração do dia dos Pais. Lá, fomos, todas as mães cujos filhos por um motivo ou outro não tem têm pais, convocadas a ir comemorar o dia dos “pães”. Com o discurso de “vocês que são pai e mãe”, venham para o futebol, a corrida dos sacos e tudo mais. Não duvido que a intenção fosse boa, mas o despreparo era grande...
Não sou pai do meu filho. Nunca tive a pretensão de ser. Nunca serei. Ele não tem pai e por mais que sinta falta, vai aprender a conviver com isso e ao longo do tempo, escolherá a figura masculina de sua referência. Um tio, um padrinho, um primo. Seja quem for. Mas quando crescer.
Então por que cargas d’água a escola tem que nos fazer passar por isso, todos os anos?
Explicar que o pai morreu, como morreu, que nunca conviveu com ele. E antes que venham com o argumento mais sórdido que tive que ler quando abordei o tema nas redes sociais ano passado: não se trata de “mimimi”.
Não é pauta de esquerda. Não é questão de gênero.
É a realidade. A dura realidade dos tempos que vivemos.
Milhares de crianças que estão na escola não conhecem, nunca conheceram, nunca conhecerão seus pais.
Outras tantas não têm mãe ou não convivem com elas. Foram criadas pela avó, pelo avô, por uma tia. Dia das Mães, Dia dos Pais, tornou-se um tormento para elas.
Ah, Roberta, mas e as que têm pai e mãe, não podem comemorar esse dia?
Podem. Devem. Nas suas casas.
Só que a escola, por ser um espaço de todos, onde todos devem ter seus direitos básicos preservados, deve ser um local de inclusão. Onde todos se sintam bem e acolhidos.
Por isso, preciso dizer que é fantástica a iniciativa da Seduc de criar o “Dia de quem cuida de mim”.
Fico pensando na fragilidade do pensamento de um vereador que julga que a Escola, ao garantir um ambiente mais acolhedor nessas datas aos que se sentem excluídos dela, queira acabar com o direito natural da mulher ser mãe. Nos extremismos que surgem de afirmações como estas.
Parênteses...
A data comemorativa do dia das mães, tem origem na Grécia antiga. Na Inglaterra tornou-se um dia de homenagear as mães, na quarta semana da quaresma. Com o tempo passou a ser comemorada em alguns países no primeiro domingo de maio e em outros no segundo.
Dos Estados Unidos vem a história da mulher que lutou para que ele fosse criado e depois gastou toda a herança recebida da mãe para combatê-lo, pois percebeu que havia se tornado um dia para o comércio faturar.
Segundo dados oficiais, o dia das Mães é a segunda data no calendário do Clube dos Diretores Lojistas a ter maior faturamento no ano. Só perde para o Natal.
Ann Reeves Javis organizava grupos de mulheres para cuidar de soldados feridos na guerra civil americana. Também organizava grupos que tentavam melhorar as condições sanitárias da época. Depois da guerra, ela passou a organizar encontros, piqueniques, ou dia das mães se reunirem. Era um grupo ativista.
(Ativismo, que lembra esquerda... Ah se os vereadores da bancada da família soubessem disso, não é?)
A morte de Ann, mãe de Ana, é que transformou a data no que é hoje nas Américas. Tocada com a perda dela, a filha começou a organizar homenagens que aos poucos foram se popularizando. Em 1914, a data foi oficializada. Uma data para homenagear cada mãe.
Quando percebeu a comercialização da data, Anna começou a organizar boicotes, inconformada. Passou o resto da vida tentando abolir a comemoração que ela própria ajudou a criar. Morreu sem um dólar, num hospital psiquiátrico.
Fecha parênteses.
Ainda tenho mãe. Graças a Deus. Na curva dos 80, aproveitamos todo o tempo que temos com ela. Domingo que vem vamos nos reunir em casa, todos os filhos, em torno dela. Mas dia das mães aqui em casa é todo dia.
O dia da minha mãe é o dia em que ela nasceu. Dia dos pais também deveria ser assim.
Devemos sim, celebrar os que nos deram a vida. Só é recomendável respeitar nos espaços coletivos, todas as pessoas, e não criar situações constrangedoras, desconfortáveis e dolorosas para elas em nome de uma data essencialmente comercial.
A bancada da família na Câmara poderia debater outros temas, que afligem diretamente nossas famílias – todas as famílias, vereadores – a exemplo do alto índice de suicídios, auto-mutilações.
Vereadores deveriam utilizar seu tempo e recursos, nesta bancada, para pensar em como o poder público poderia apoiar grupos de apoios a famílias em situação de risco. Alternativas para que nossos jovens, pobres e excluídos não sejam tragados pelo tráfico e a criminalidade.
Sugiro que deixem que a escola seja o melhor lugar que ela puder, para todas as pessoas. E não permitam que uma visão de mundo limitada possa contaminar o parlamento.
É desnecessário. É vergonhoso.
Nem todos têm pai. Nem todos têm mãe. Mas uma criança que vai à escola certamente tem quem cuida dela.
Então, viva o “Dia de quem cuida de mim”!
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