A OAB diante do espelho, ou: o primeiro desafio da gestão protagonista

Que linda aula de democracia a OAB permitiu que fosse dada ontem. Pelo simples fato de dar voz a todas as vertentes, correntes de pensamento. Pais e mães de família. De todos os tipos de família

Audiência Pública na OAB-TO
Descrição: Audiência Pública na OAB-TO Crédito: Foto: Jerusa Sá/OAB

Decifra-me, ou devoro-te. Disse a Esfinge a Édipo. E ele a enfrentou de pronto…

 

A OAB amanhece hoje diante do espelho, de um enigma. Em que pese ter avançado tanto nas últimas eleições, volta-se para dentro a fim de refletir sobre sua própria imagem diante de tudo que foi dito e debatido ontem à noite na audiência pública realizada no auditório de sua sede em Palmas. 

 

Foi lá que se deu voz a uma imensa quantidade de pessoas, segmentos, movimentos. Traídos, reprimidos, esquecidos pela forma atropelada com que a Prefeitura de Palmas e a Câmara Municipal trataram de excluir da escola pública, qualquer possibilidade de discussão sobre a temática de gênero.

 

Que linda aula de democracia a OAB permitiu que fosse dada ontem. Pelo simples fato de dar voz a todas as vertentes, correntes de pensamento, acadêmicos e pseudo-acadêmicos. Cidadãos comuns. Pais e mães de família. De todos os tipos de família.

 

Quem foi, pôde ser esclarecido de que gênero não é necessariamente sexualidade. De que falar de gênero nas escolas não é pregar nenhuma “teoria gayzista”(sic). Gênero se refere a mulheres, tão vitimadas em suas casas pela violência machista da linha que defende a supremacia biológica do homem sobre a mulher. 

 

Gênero se refere a entender que nem todos os homens, nascidos do sexo masculino, assim se enxergam. De que nem toda mulher vai se relacionar com homens. De que existe uma coisa chamada identidade. E outra chamada orientação, e não opção sexual.

 

Do representante do Sintet, professor Jefersson, partiu a frase antológica: “Escola não é igreja”. O grande contraponto contra os que entendem que sua visão religiosa deve estar acima da orientação pedagógica de que a escola, como espaço da construção do conhecimento, mas também da formação do cidadão, tem a obrigação de fazer.

 

E que orientação é esta? Não é ensinar educação sexual a crianças de 5 anos. Não é fazer apologia à homossexualidade. Não é sugerir nada à criança em fase cognitiva. É simplesmente não negar dentro da escola, o mundo que existe fora, e que, por conseguinte, está representado dentro.

 

Não negar que as famílias existem, e não só no modelo tradicional. Que existindo, devem ser reconhecidas pela escola. E que devem ser respeitadas.

 

Sem a interferência da escola desde cedo mediando eventuais conflitos de gênero, como serão protegidas as crianças que desde cedo fogem aos padrões latino americanos de “macho” e “fêmea”? Como serão protegidas as crianças filhas de casais homoafetivos? O direito da criança. Este é um tema até aqui deixado fora de foco.

 

Do depoimento duro de uma professora da rede pública, com mestrado e doutorado em questões que envolvem sexualidade emergiu, por exemplo, a pergunta que o secretário de Educação do Município, professor Danilo, não respondeu: quando surgir uma situação de conflito na sua sala, ela preparada como está para mediar e intervir, está proibida de fazê-lo? Está. Pela lei, que a Câmara de Palmas aprovou eliminando a MP 06 e absorvendo seu inteiro teor, está sim.

 

E se intervir, para evitar um bullyng, ou a propagação de um preconceito, ou de uma mentira? O que acontece? Um processo administrativo? Um corte de salário? Difícil saber…

 

Muitas intervenções contra e a favor da nova lei foram feitas ao longo da noite, num intenso debate onde as cornetas, apitos e vuvuzelas que habitaram o plenário da Câmara no ápice da polêmica movida pela bancada evangélica e seus apoiadores, ficaram finalmente de fora.

 

Não deu para fazer circo desta vez. As manifestações mais exageradas de lado a lado foram contornadas com habilidade pelo mediador da mesa, onde calado o tempo todo, o presidente da Ordem, Walter Ohofugi, escutava.

 

Diversos posicionamentos pela inconstitucionalidade da matéria, aprovada pelos legisladores que não representam o todo da população de Palmas. Todas as presidentes das comissões setoriais da Ordem, envolvidas neste tema, manifestaram-se para que a OAB ingresse no Judiciário para defender os direitos humanos feridos pela MP discriminatória feridos pela lei. Karol Chaves, das Comissões da Diversidade, foi mais longe: cobrou o compromisso assumido pela chapa que apoiou, à comunidade LGBT.

 

E agora? O que fará o conselho?

 

É certo dizer que Ohofugi contagiou a sociedade com sua campanha, oferecendo no cardápio de suas posições, a defesa dos direitos inalienáveis. A Ordem como parceira da sociedade. 

 

Por certo o presidente enfrentará o primeiro desafio da sua gestão protagonista. Qual a sua posição? Ouvirá o clamor dos movimentos sociais, representantes de segmentos, e todos aqueles que a Lei Municipal ultraja? 

 

Lutará o bom combate pelo que é justo, ainda que difícil de sustentar, diante das alas mais conservadoras? Ou fará o que o prefeito Carlos Amastha fez, inebriado pelo apoio dos pastores, seduzido por um projeto de poder que terá desdobramentos lá mais adiante?

 

É a dúvida que resta após tão intenso e caloroso debate.

 

Eu, de mim, espero e confio numa OAB século 21. Uma Ordem de pé diante das trevas da ignorância. Qual mérito haverá na valentia, senão sobrepor-se à covardia do status quo?

 

O que fica bem claro é que não bastam argumentos belos, discursos bem feitos em favor dos direitos, da igualdade, da liberdade e da democracia nas escolas. Não adianta parecer bom, nem pregar discurso de amor ao próximo.

 

O que vale são as atitudes.

 

Da OAB espera-se agora que ouça o recado da audiência pública. Ou teremos que fazer coro com Mônica Brito, uma das últimas oradoras da noite: “Deus nos livre da bondade dos que se dizem bons”.

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