De obras e lendas urbanas que a nova geração ouve falar...

Depois de 30 anos sem grandes obras estratégicas para o seu desenvolvimento, o Brasil se mexe. Só por isso o Tocantins pode sonhar com uma hidrovia cara e de difícil execução

 

Se o leitor atento pegar uma calculadora, fizer uma busca no google e somar todos os milhões anunciados recentemente pelo governo do Tocantins como recursos garantidos para investimentos em obras; mais o que os parlamentares anunciam como conquista sua também para programas e obras; mais o que o governo federal anuncia para os seus programas, chegaremos a uma cifra impronunciável.

 

A vontade de mostrar que está fazendo vai levando cada protagonista da  cena política e administrativa do Estado a buscar a imprensa e divulgar, anunciar, alardear o que está conquistando na sua atuação diária, em benefício dos que representa.

 

É a roda viva que sustenta a política: campanha, busca do voto, eleição, mandato e o retorno em obras, que gerem empregos ou programas que gerem melhoria de vida, etc e tal.

 

O problema é que os anúncios são em grande número e a mudança na vida diária acontece bem mais lentamente. E atrás das grandes cifras, normalmente tem grandes negócios, gente ganhando muito dinheiro, seja intermediando, seja liberando pagamentos.

 

No dito popular a verdade é que são muitos criando dificuldade para vender  facilidades.

 

O ceticismo que toma conta da população ao assistir essas repetidas cenas é portanto mais do que compreensível.

 

No caso dos repórteres convocados todo dia para cobrir tudo que é anunciado - e nós nas redações recebendo e publicando releases em que cada um se anuncia “dono” do benefício conquistado - a “overdose” provoca desconfiança.

 

É por isso que as “grandes obras” dezenas de vezes anunciadas - e a cada vez que uma movimentação acontece na máquina burocrática do Estado, repetidas -normalmente são consideradas lendas urbanas.

 

Ferrovia Norte-Sul. Hidrovia Tocantins. Eclusa do Lageado. Metrô de Superfície.

 

Estes nomes normalmente nos causam arrepios. Explico porque.  Vejam o caso da ferrovia. Os trilhos avançaram, as empresas já começaram a comprar lotes e se instalar às suas margens. Ela de fato está avançando. Mas o tempo que se transcorreu entre o anúncio e os dias de hoje, as obras -  paralisadas por denúncias e auditoria do TCU – e principalmente os milhões despejados nestes trilhos já fizeram desta ferrovia uma decepção.

 

Fosse no Japão, no mesmo tempo e com o mesmo dinheiro, provavelmente já teriam construído duas.

 

O problema endêmico da corrupção que cerca as grandes obras, não é exclusividade do Tocantins. Vejam a lentidão com que avançam as obras necessárias para que o Brasil sedie a Copa do Mundo. A coisa emperra, para, não vai.

 

Voltando ao Tocantins e seus sonhos de futuro.

 

Hidrovia Tocantins é o sonho da vez

 

É preciso sonhar. O Estado é prova da materialização de um sonho de muitos. Sua criação envolveu atos, símbolos, resistência, articulação política.

 

Há uma semana, ouvindo uma conversa entre o governador Siqueira Campos, o presidente da EPL, Bernardo Figueiredo, o representante do CDB (Banco de Desenvolvimento da China) Weindon Zhou e a senadora Kátia Abreu, na coletiva que aconteceu na casa da senadora, todos estes questionamentos passaram pela minha mente.

 

O que faz uma grande obra, estratégica acontecer? O que separa o sonho que fica no papel da realidade que se materializa? (Fiquei alí lembrando do filme Xingu, fantástica produção nacional que quem não viu ainda precisa ver ).

 

O governador fazia um mergulho no passado, lembrando uma conversa que teve com o presidente João Figueiredo. Eram os idos de 1973 e o projeto de Tucuruí tramitava no Congresso.

 

Siqueira, Figueiredo e Tucuruí

 

Conta Siqueira que -  então deputado federal – procurou o presidente para falar com ele sobre o contrassenso que seria construir a Usina sem o projeto da Eclusa.  O presidente Figueiredo teria telefonado imediatamente para o Ministro Andreazza e perguntado se a informação de Siqueira era verdadeira. Ouviu do ministro que sim, e que para fazer o projeto da eclusa a obra ficaria 10% mais cara.

 

‘Tenho que fazer justiça ao presidente Figueiredo, que entendeu a importância e autorizou a inclusão da Eclusa no projeto”, relembrou o governador.

 

O presidente da EPL (empresa criada pela presidente Dilma Roussef para cuidar de logística), Bernardo Figueiredo, emendou: “O Brasil está atrasado 30 anos. Sentamos nos nossos problemas e o tempo passou”.

 

A consequência é que coube agora ao governo Dilma Roussef compreender a necessidade de pensar o País de forma razoável. “As estradas foram feitas nas últimas décadas sem um planejamento logístico que interligasse todo nosso sistema de transporte – estradas, ferrovias, portos - com o objetivo de tornar nossos produtos competitivos”, lembrou a senadora Kátia Abreu, na mesma conversa.

 

É verdade.

 

Talvez por isso para a nossa geração, os grandes planos, as grandes obras soem assim como uma miragem, de fato.

 

Senso de urgência e oportunidade

 

É que eles não aconteceram nos últimos 30 anos no Brasil. Nós não vimos a Belém Brasília ser aberta, o interior do Brasil ser conquistado, Brasília ser construída. E esta parada nas décadas recentes nos tornou atrasados demais.

 

O desafio, tanto lá, em Brasília, como aqui, é tirar esses grandes planos do campo dos sonhos e do papel para materializá-los.

 

Ah, sobre a pergunta que eu me fazia sobre o que faz a diferença e acaba provocando que as coisas aconteçam, o próprio Bernardo Figueiredo acabou me respondendo, sem que fosse preciso perguntar.

 

“Eu estava em uma viagem internacional, cheguei ao Brasil e nem fui em casa ainda. Vim para cá, participar desta reunião. O que faz as coisas acontecerem é a visão estratégica das coisas e o senso de urgência, que vocês aqui têm”, disse ele.

 

 Na questão da Hidrovia, para se fazer justiça é preciso dizer que é um sonho antigo do governador Siqueira Campos, que a senadora Kátia Abreu assumiu e comprou a briga. Bernardo a elogiou: “A senadora  foi à China, trouxe o banco, vendeu o projeto. Tem senso de urgência”.  Fecha parêntese.

 

A obra é cara. Envolve licenças ambientais. É preciso vencer obstáculos naturais como o tal Pedral do Lourenço. Construir duas eclusas, sinalizar a hidrovia.

 

É coisa que com sorte, veremos funcionando na prática entre cinco e dez anos. Isto se os nossos governantes, homens e mulheres com mandatos e a prerrogativa de definir a aplicação do dinheiro público avançarem para retirar do campo do imaginário as grandes obras, estratégicas.

 

Então veremos uma lenda urbana se tornar realidade diante dos nossos olhos. E poderemos dizer que fomos testemunhas.

Comentários (0)