Memórias de 94: o ano em que a estrela do PMDB declinou

Maio de 1994. Quinta-feira, 6hs da manhã. Dia de voar na vistoria de obras, rotineira, feita pelo então secretário de infra-estrutura, João Francisco. Um engenheiro, sim, mas com alma de filósofo.

Memórias: Vistoria de obras da Secretaria
Descrição: Memórias: Vistoria de obras da Secretaria Crédito: Arquivo Pessoal

Faltando pouco menos de um ano para o final do governo Moisés Avelino, a missão da equipe de comunicação da Infra é fazer o relatório completo, formato revista, das duas mil obras da gestão de Avelino.

 

Não importa se estamos falando de uma rodovia pavimentada, como a estrada que liga Palmas a Taquaruçu, vistoriada em pessoa pelo próprio governador, no dia em que “deu fogo”, no trecho que só seria aberto na serra com dinamite. Ou se falávamos de uma lavanderia, obra simples e relativamente pequena, construída a dezenas por todo interior do Estado naquela primeira metade da década de 90 em que era comum faltar água encanada nas casas da população mais pobre.

 

A política fervia mais dentro do que fora do PMDB, partido do governador. Avelino havia derrotado outro Moisés, o Abrão que usava helicóptero para descer no Bico do Papagaio. Mas a volta de Siqueira ao poder já era temida pelos governistas. Para enfrentá-lo, o nome do partido era João Cruz, o popular prefeito de Gurupi, conceituado entre os prefeitos, seus colegas, mas que não era o preferido de Avelino.

 

Nos bastidores o que se ouvia é que João Cruz tinha história e luz própria e seu governo não seria uma simples continuação. Se Siqueira havia escolhido Moisés Abrão de propósito para perder a eleição -  como corria no meio político – esta não era uma opção para Avelino.

 

Uma lógica estranha acabou tomando conta dos “avelinistas” naquele ano, e João Cruz, mesmo candidato, não contou com a força do governo nem com seu envolvimento total para disputar as eleições.

 

De um lado, os apaixonados pelo Siqueira criador do Estado e de Palmas, se opunham aos companheiros de Avelino, um governador menos personalista e bem menos impositivo. Outro estilo. Ao lado do governador uma espécie de conselho gravitava formado por José Luiz, Marcos Farias, Agripino. Os nomes fortes do governo.

 

Silencioso, nada vaidoso, o “meu secretário” como eu o chamava, acompanhava de longe o final do governo, cumprindo sua obrigação: finalizar obras, quantas fosse possível, e deixar o nome do Dr. Moisés, como os mais próximos o chamavam, gravado na história do Estado, como um realizador.

 

Naqueles dias, sempre às quintas-feiras, cruzávamos os quilômetros de estradas de chão que separavam Palmas das regiões mais distantes do Estado quase sempre de monomotor. As muitas obras em andamento eram acompanhadas de perto pelo secretario que gostava de fiscalizar de perto.

 

Naquela quinta fomos ao Sudeste. Eu aproveitava a viagem para ouvir as verdadeiras aulas que o Dr. João nos dava, a mim e ao Eduardo Garcia, chefe da assessoria e o homem da propaganda na pasta.

 

Para escrever sobre o que acontecia na Infra, eu tinha que saber o que era TSD (Tratamento Superficial Duplo), a diferença entre terraplenagem e terraplanagem ( e por que uma é tão mais cara que a outra). Dias duros, de uma Palmas ainda precária, e de um Tocantins cheio de efervescência e expectativa de crescimento, com quase tudo ainda por fazer.

 

Se por um lado aprendi ouvindo Dr. João falar de filosofia e engenharia, por outro era ao seu lado, ou pelos seus olhos que via muito do que acontecia perto do governador, e observava o jeito de ser e de decidir de Moisés Avelino.

 

Pano rápido.  Outubro de 1994. Siqueira Campos venceu João Cruz. Durante a campanha, duras acusações foram feitas. Duras palavras, que acabaram encontrando eco. Para Siqueira, o Palácio Araguaia tinha se transformado num “balcão de compra e venda de fazendas”. E ele não poupava ninguém.

 

Avesso à corrupção, no discurso e nas atitudes, Avelino respondia pouco, evitava misturar o governo com a campanha, mas caminhava para o fim de sua gestão sem conseguir evitar alguns absurdos, nem impedir que a incompetência de companheiros causasse danos ao povo e ao Estado.

 

Foi um final de governo pródigo em manchetes negativas. De remédios vencidos estocados na Secretaria de Saúde de Merval Pimenta sem que fossem distribuídos, a lotes e mais lotes vendidos no balcão da Codetins, houve de tudo um pouco. E o golpe final em sua imagem: os últimos meses de atraso na folha dos servidores herdados por Siqueira.

 

O governo do PMDB terminou como um samba triste, de uma nota só. João Cruz derrotado, diziam as más línguas, não só pela aura da lenda que já era Siqueira, mas também por falta de mais empenho do próprio Avelino. Antes dele, Eudoro Pedrosa havia perdido as eleições, em 92, na capital, para Eduardo Siqueira.

 

Depois de governar o Estado por quatro anos, e deixar um legado importante em obras e realizações, o PMDB sairia de cena por um bom tempo.

 

Assim como outros reles mortais que tinham chegado ao Tocantins na “Era Avelino”, eu me preparava para enfrentar o que viria pela frente. Sem saber ainda que seriam dois governos Siqueira, já que o governador que chegava, seria beneficiado em seguida pela aprovação da reeleição.

 

Quatro anos depois de receber a faixa de governador do próprio ex-governador para ocupar um palácio inacabado, Avelino a devolvia. O cenário do Tocantins era outro. Palmas também já estava bastante transformada.

 

A conjuntura política não daria a Moisés a chance de ser governador novamente. Mas os seus anos de comando permaneceriam gravados duplamente: na história do Estado e na do próprio PMDB. Saído das urnas com força e discursos próprios Moisés Avelino foi sem dúvida a estrela mais autêntica do PMDB dos antigos “modebas” no Estado.

 

Histórico opositor à União do Tocantins o partido ainda seria mais uma vez derrotado, em 98, quando Siqueira enfrentou Avelino,  antes de ser praticamente “desmontado” pela inteligência e poder de articulação de Brito Miranda.

 

Mas isto já é um outro capítulo desta mesma velha e nova história. A de como o PMDB viveu seus melhores anos, para em seguida ver sua estrela declinar. E só voltar a brilhar por força das circunstâncias e das escolhas de seu principal opositor.

 

 

*Trecho inédito extraído dos registros de memórias que reúno sob o título provisório de “Meninos eu vi -  21 anos de histórias que testemunhei  no Tocantins”

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