Na conta de deputados e na bica para promotores auxílio recria Ilha da Fantasia

Deputados engrossam o grupo dos privilegiados que já recebem auxílio moradia, enquanto promotores e procuradores aguardam tramitação de projeto com o mesmo teor na Casa. População repudia o benefício

Deputados Marcelo Lelis e Josi Nunes
Descrição: Deputados Marcelo Lelis e Josi Nunes Crédito: T1 Notícias

 

A Assembléia Legislativa deve pagar hoje para 22 dos 24 deputados estaduais, que terão creditado em suas contas o primeiro depósito do polêmico auxílio moradia aprovado pela Casa através de resolução assinada por 24, dos 24 deputados estaduais.

Dois abriram mão do benefício até agora. O primeiro, via ofício à Mesa Diretora é o deputado Marcelo Lélis, do PV, que dispensou o pagamento sob a justificativa de que tem moradia em Palmas e não precisa dele. A segunda, a deputada Josi Nunes disse ao T1 Notícias ter feito, de próprio punho, requerimento à diretoria financeira da Casa, para não receber.

Tramita com idêntico objetivo na Casa, projeto de lei que institui para promotores e procuradores a mesma regalia. Digo regalia, por que o benefício não é extensivo a todos os trabalhadores, servidores públicos, mas apenas a algumas categorias “especiais”. 

Sobre o projeto do Ministério Público, há menor discussão e polêmica nas redes sociais, mas igual sentimento de reprovação por parte da opinião pública. Assim como é de repúdio o sentimento quanto ao auxílio pago no Judiciário. O inteiro teor do projeto não foi fornecido pelo Ministério Público Estadual, que sob a batuta da procuradora Vera Nilva, instituiu a lei do silêncio sobre o tema, para evitar desgastes. Ainda esperamos que Assembleia libere cópia integral do projeto para que seja possível observar quais os critérios de concessão do benefício.

O fato é que de todas as categorias, a classe política é a que mais sofre o revés da opinião pública. E não poderia ser diferente já que um mandato eletivo nasce do voto, com o objetivo de representação popular e o povo, a grosso modo, não tendo este privilégio, não aceita que seu representante o tenha às custas do dinheiro publico. A fonte pagadora do benefício são os impostos, pagos em tese por todos, mas cujo pagamento dói mais no bolso dos que têm menos.

 

Razões e contra razões

 

O argumento dos deputados é de que o pagamento é legal, feito como quase tudo que recebem, com base no que faz a Câmara Federal para os deputados federais.

 

Conversando com o deputado e presidente da Assembléia, Sandoval Cardoso, ouvi dele que a Casa não tem dificuldade em argumentar e debater onde quer que seja sobre a  necessidade e legalidade do auxílio para os parlamentares. Mas é uma tarefa árdua a dos deputados a do convencimento de que este pagamento é justo, é ético, é moral, não só por que a classe política sofre uma crise de credibilidade diante da opinião pública, mas por que a maioria das pessoas não vê necessidade por parte dos deputados em receberem mais este acrescimo aos seus salários. Muitos têm residência própria na Capital e ainda assim consideram justo receber, o que termina sendo um complemento salarial, já que não depende de comprovação ou prestação de contas.

 

Como funciona no serviço Público

 

Pesquisando as normativas do governo federal para pagamento de auxílio moradia a servidores públicos, me deparei com a normativa da Polícia Federal. Ela define que : “o Auxílio-Moradia consiste no ressarcimento das despesas comprovadamente realizadas pelo servidor com aluguel de moradia ou com meio de hospedagem administrado por empresa hoteleira”

 

As condições para a concessão do benefício obedecem a critérios como : “Não existir imóvel funcional disponível para uso pelo servidor; O cônjuge ou companheiro do servidor não ocupe imóvel funcional; O servidor ou seu cônjuge ou companheiro(a) não seja ou tenha sido proprietário, promitente comprador, cessionário ou promitente cessionário de imóvel no Município aonde for exercer o cargo, incluída a hipótese de lote edificado sem averbação de construção, nos 12 (doze) meses que antecederem a sua nomeação” e por aí vai.

 

E tem mais um, interessante: "o auxílio é pago desde que o Município de destino não esteja localizado na região metropolitana constituída por municípios limítrofes, regularmente instituídos, no qual assuma o cargo em comissão ou função de confiança, em relação ao local de residência ou domicílio do servidor". Em Palmas isso significaria que Porto Nacional, Paraíso, Miracema, são limítrofes e considerados região metropolitana da Capital.

 

No geral, as regras para servidores federais podem ser lidas neste link.

 

Nova ética, para um novo tempo

 

O fato, de difícil compreensão para alguns, é que estamos vivendo outra época. Novos tempos, exigem uma nova ética no tratamento de tudo que é público. A sociedade está exercendo mais e melhor seu poder de crítica e de reprovação sobre os atos de seus representantes, em todas as três esferas de poder.

 

Os tempos são de transparência nas ações, movimento ao qual muitos ainda resistem. Ninguém é dono das instituições, independente se alí chegaram via voto ou concurso publico. Todos têm que prestar conta de seus atos ao distinto público que os mantém, de uma forma ou de outra.

 

Se o trabalhador comum, por mais qualificado que seja, não recebe auxílio moradia, por que desembargadores, promotores, procuradores e deputados têm que receber? Esta é a pergunta que não quer calar.

 

Quando faz concurso para outra localidade que não a cidade onde mora, o concursando já sabe que enfrentará despesas com moradia. Faz, sabendo o que o espera. O deputado que se elege para a Assembléia Legislativa, já sabia onde iria cumprir expediente quando se candidatou.

 

Salvo as exceções que envolvem transferências de localidade a bem do interesse público , não há o que discutir sobre auxílio moradia.

 

Bem fariam a si mesmos e à sua carreira política, os deputados que rediscutissem de forma clara com a sociedade quanto de fato ganham  e qual o custo que têm para manter-se no mandato. É fato que enfrentam um dia a dia diferenciado: são vistos como aqueles que ganham muito e fácil, e portanto teriam a obrigação de ajudar com a passagem e a conta de água, com o gás e o remédio, especialmente nas comunidades mais pobres.

 

É esta cultura que tem que acabar. Mas nada muda se todos mantiverem os mesmos paradigmas, o mesmo comportamento, num eterno círculo vicioso de toma lá, dá cá.

 

Se o salário do parlamentar é insuficiente, se o salário do promotor e do juiz é insuficiente, é preciso que esta discussão seja feita às claras. Todo arranjo que se inventa para suprir de forma sorrateira outra necessidade, soa mal e a sociedade repudia.

 

Os novos tempos chegaram. Ninguém suporta mais a sobrecarga de impostos e obrigações sob os ombros da massa esquálida de sobreviventes, enquanto na outra ponta da distribuição de renda, brilha sob a proteção da lei uma ilha de privilégios para poucos.

 

 

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