Na hora da crise, o Brasil que se viu no espelho, assusta

A Câmara dos Deputados revelou faces de um Brasil conservador, hora oportunista, hora hipócrita, que flerta com um passado recente de ditadura

Abertura do processo de impeachment na Câmara
Descrição: Abertura do processo de impeachment na Câmara Crédito: Foto: Douglas Gomes

Há algo suspenso no ar nesta segunda-feira, 18, em que o Brasil acorda mergulhado no clima ruim, de que algo deu muito errado na política nacional.

 

É quase palpável o peso da incerteza que paira sobre o que será do destino do País nos próximos meses.

 

Os brasileiros envolvidos diretamente na disputa política travada na Câmara dos Deputados ontem, domingo, 17 de abril - e que determinou com o resultado de 367 a 137 a abertura do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff - têm, cada lado, uma opinião.

 

Para os que foram às ruas pedir o impeachment - que ainda não aconteceu, mas caminha para isto, no processo que segue para o Senado - o sentimento é de alegria, satisfação e até alívio. Creem, piamente, que pior do que estava, não dá para ficar. Os mais puros apontam no desemprego, nos reflexos da crise política na economia e nas recentes denúncias de corrupção entranhada no governo do PT, os motivos do alívio que sentem. Uma crença de que, afastada Dilma, tudo vai melhorar.

 

Esta é uma leitura superficial dos fatos, embora possível para quem forma opinião baseado mais no que vê na TV e o que escuta do discurso oposicionista.

 

Para os que foram às ruas contra o impeachment, a sensação é de derrota nas preliminares de uma final de Copa do Mundo. Petistas e aliados agarram-se à convicção de que a luta ainda não terminou e de que é possível reverter a situação no Senado. Uma visão por demais otimista diante do quadro que se formou no País.

 

O mais provável é que caminhemos para o afastamento da presidente Dilma por 180 dias para ser julgada e nos confrontemos com um governo Temer, aquele que não foi eleito para ser presidente, e sim vice. Aquele que mesmo tendo sido governo todos estes anos, mesmo tendo pedalado como a presidenta, tramou, nas trevas e na luz, pela sua queda. Um traidor, contumaz. Rejeitado pela maioria dos brasileiros.

 

Só o distanciamento que o tempo permite, ao longo da história, afastando paixões e decepções momentâneas nos dará o retrato mais completo do momento que vivemos hoje no País. Mas algumas verdades gritam e ecoam, da longa sessão de votação que assistimos ontem, das duas da tarde até perto da meia noite.

 

A Câmara dos Deputados revelou faces de um Brasil conservador, hora oportunista, hora hipócrita, que flerta com um passado recente de ditadura. Um Brasil de forte bancada evangélica, que deseja impor suas crenças dentro da política a partir da visão neopentecostal -  a que prega que o caminho de Deus pode sim, levar à riqueza - seduzindo com um conservadorismo cercado de expectativa de prosperidade, boa parcela da sociedade. A bancada da bala, com um discurso assustador de divisão, de extermínio.

 

Deputados que lembravam colegiais, animados na torcida pelo seu time. Tapando com cartazes de “Tchau, querida!” o rosto dos adversários que se posicionaram contra o que foi chamado repetidamente de golpe: abrir processo para afastar uma presidente contra a qual não existe um processo, numa Casa comandada por um réu no STF. Deputados fazendo bullying em rede nacional com transmissão ao vivo, contra os que argumentavam em favor da presidente. Papagaios de pirata tentando de toda forma estar nas fotos e nas imagens que serão repetidamente exibidas por dias e dias.

 

Tudo isso parece detalhe, no entanto, quando se escuta os argumentos para a cassação que se pretende, de Dilma, evidenciam que faltou mais habilidade do governo dela em tratar bem os parlamentares e suas demandas. Sejam elas pessoais ou coletivas. Pelo volume de depoimentos dos que votaram: “pela minha família”, fica difícil acreditar que se trata de defesa da coletividade.

 

O Brasil que se viu no espelho ontem pela TV, não é muito diferente do que se vê nas Câmaras Municipais pelo País. É uma representatividade torta, já que obtida através de um sistema que privilegia a compra de votos, direta ou indireta. É um sistema que elege que tem dois tipos de moeda: a que circula em espécie e a da popularidade (que explica Romário, Tiririca e outros).

 

É inegável que existe uma necessidade de “limpar o País”, um forte discurso anti-corrupção. Assim como é inegável a visão seletiva desta mesma corrupção. A de Eduardo Cunha, delatado por receber propina, flagrado com contas na Suíça abrigando dinheiro sem origem, passa perto de ser esquecida e perdoada pela Corte Suprema da política brasileira. Já é tratado como herói o deputado que ouviu das críticas mais bem fundamentadas, aos xingamentos de quem lhe chamou de “gângster” e “canalha” durante a votação, sem esboçar uma reação mais humana. Um caso digno de estudo pelo que sugere de sociopatia.

 

O que está em jogo e preocupa, são os avanços sociais que a esquerda - com todos os seus defeitos - permitiu ao Brasil nos últimos anos de Lula e Dilma. A ascensão social dos mais pobres. A redução da fome. O avanço dos programas habitacionais. O acesso à Universidade. Conquistas que não têm preço. A defesa dos direitos humanos e direitos das minorias.

 

É por tudo isso que mesmo quem não é petista, Lulista ou Dilmista, teme hoje, em sã consciência.

 

O que assusta é o fortalecimento do Brasil da Bíblia e da Bala que atropela tudo em prol de um discurso de força, de violência, de imposição de ideias. De retrocesso.

 

Dilma enfrenta o impeachment com a imagem de que não tem culpa do esquema que se instalou na Petrobrás antes ainda de sua ascensão ao governo. Pode sair com a imagem de presidente honesta, vítima das circunstâncias. Pode assumir para a história apenas a faceta que lhe pertence de mulher dura, impeditiva, com dificuldade de diálogo, ou até de erros administrativos, mas não de corrupta.

 

É isso que soa como uma grande injustiça, captada por meia dúzia de veículos da imprensa internacional. Alguns criticando abertamente o tom dado às notícias pelos grupos Globo/Abril.

 

Qual o Brasil que emergirá de toda esta crise política, econômica e institucional? Não sabemos.

 

O que está claro é que passaremos sim por um processo de mudança duro e necessário, porém extremamente perigoso. E neste momento, há que ter atenção redobrada.

 

Que sejamos capazes de fazer isto sem perder as conquistas obtidas nos últimos anos. Sem entregar o País numa bandeja aos corruptos de sempre por mais sabe-se lá quantos anos.

 

Os que perderam uma eleição recente, mas usando o discurso que o brasileiro comum quer ouvir e acredita, encontraram meios de depor uma presidente eleita pelo voto de 54 milhões. Antes tivessem sido capazes de vencer nas urnas.

Comentários (0)