Nas entrelinhas do discurso do Siqueira que não perdeu e nem ganhou as eleições

Há um descompasso sério entre o discurso do governo e a realidade das ruas, na capital ou no interior. E mais: há uma incoerência profunda nas entrelinhas da avaliação superficial das eleições...

Governador Siqueira Campos: "nem perdi, nem ganhei"
Descrição: Governador Siqueira Campos: "nem perdi, nem ganhei" Crédito: Lourenço Bonifácio

Na coletiva de ontem, segunda-feira, 22, o Velho Siqueira emergiu da figura do governador discreto e silencioso que se instalou no Palácio Araguaia depois de uma vitória apertada que lhe devolveu o poder em 2010. Silencioso por que é um governador que fala pouco, diante de todas as dificuldades que vem enfrentando para fazer um governo propositivo, bem compreendido, e aprovado. O povo ainda espera pelo grande último governo Siqueira.

E emergiu para dizer o quê?

 

Primeiro, que não perdeu as eleições em Palmas. “Eu nem ganhei e nem perdi pois quem estava aí era oposição e quem ganhou foi um candidato de oposição”, disse o governador, que é também o comandante de muitas vitórias e que só experimentou a derrota em sua trajetória política em 2006 para Marcelo Miranda, revertendo-a de certa forma depois na mais alta Corte da Justiça do País.

 

A lógica do governador é feita às avessas. Não perdeu e nem ganhou, por que não era candidato? Ou não perdeu e nem ganhou por que Carlos Amastha venceu Raul? Nenhuma das alternativas anteriores. Raul não disputou as eleições, não participou efetivamente da campanha de Luana. Foi jogado para fora de campo por Carlinhos Cachoeira. E o governo, apoiou sim, com todas as letras, o deputado Marcelo Lélis, do PV. Ou não?

 

O que soa inacreditável é que o governo não tenha assimilado até hoje, 15 dias passados da eleição, que Marcelo Lélis não perdeu as eleições em Palmas sozinho. Não fosse o candidato do Palácio Araguaia e sua história poderia ter sido diferente. Ou alguém duvida? Se ganharia ou perderia é outra conversa. Outra história. Que não foi desta vez que foi escrita.

 

E Siqueira não sabe disto? É evidente que sabe. Tanto sabe que depois de subir no palanque de Lélis houve uma queda do candidato nas pesquisas. Ato contínuo, o governador se ausentou dos demais comícios. Tanto sabe, que minimiza sua participação dizendo que ficou mais no interior. Está aí, nas entrelinhas do próprio discurso: "não fui candidato, não disputei eleição e fiquei mais no interior". Ou não é isso?

 

O Tocantins da capital e o do interior

 

Nos últimos dez dias antes das eleições Siqueira, de fato, entrou num avião alugado pelo PSDB e percorreu 90 cidades tocantinenses. Isso mesmo: 90. Num interior, em sua maioria, distante da rebeldia de uma capital que protesta e não aceita sequer seu horário de verão, que o governante ressuscitou sem consultar ninguém, quatro anos depois de extinto.

 

A presença de Siqueira em alguns palanques fez a diferença, sustentam articulistas do governo, em cidades cujas eleições não estavam definidas: Porto Nacional, Paraíso, Formoso, para ficar nestes exemplos. É verdade que o Tocantins da capital nem de longe se parece com o Tocantins do interior.

 

Lá, no interior, o poder do governo é um diferencial que pode determinar o sucesso ou o fracasso de uma gestão. Afinal a maioria dos prefeitos vive em “petição de miséria”, com o pires na mão. Quem os socorre? O poder local (Estado) ou a União (bancada federal em Brasília).

 

No interior, reparem bem, o governo tem o poder de fazer a diferença, mas isso não significa que tenha tido lá também uma vitória retumbante. E por quê? Se somarmos os prefeitos eleitos pelos partidos da base do governo, sim, o governo fez a maioria. Mas se olharmos os do PSDB, são 20. E eram 16. Por mais que se diga que o partido não tem importância, essa é uma conta pequena para um partido do governador.

 

Uma base nem tão firme assim

 

Só que nesta soma de maioria da base, é preciso somar o PR ( os dos PR`s, o que é governo e o que ainda é João Ribeiro), o PSD de Kátia Abreu (que apoia o governo mas ainda não viu suas emendas com recursos empenhados, virarem obras, a exemplo do Hospital Regional de Gurupi), o PTB de José Geraldo (que lançou candidato próprio em Paraíso, escolhendo outro caminho que não o apoio incondicional a Avelino). E ficam as incógnitas: o PSB é governo? e o PDT? Quanto do PMDB se elegeu com uma forcinha do secretário Eduardo Siqueira? e quantos seguirão o deputado Júnior Coimbra?

 

É uma base e tanto, não? Rachada, da raiz ao topo. Ranhuras que só mostrarão seu poder dentro de mais dois anos, quando o governo -  que ainda não disse a que veio – estiver caminhando para o fim.

 

É por isso que fica difícil entender o discurso do governador. O Siqueira que emergiu ontem pode ter sim, suas razões, mas passa longe da humildade ao arrematar ainda que demitiu Borges da Silveira, por que este supostamente agia de forma ilícita, investido no cargo de secretário. O mesmo ex-secretário que ele elogiou sobejamente no histórico discurso de lançamento da TVE.

 

Não sei não, mas a aura do poder é algo que inebria e às vezes cega, como já dizia José Sarney depois que deixou a presidência. Quem alcança os mais altos postos delegados pelo voto imagina que este momento nunca mais passará. Mas tudo isso passa. Tem data para acabar.

 

Às vezes o que parece faltar ao governo, é um encontro entre o Velho Siqueira da campanha e o Comandante do Palácio Araguaia de hoje. O da campanha, diria ao do Palácio: “Hei, eu preciso fazer deste governo o fechamento com chave de ouro de toda a minha história, foi com esta bandeira que fui eleito. Foi esta chance que pedi ao povo”. E o governador lhe responderia: “Mas veja bem, eu recebi um Estado endividado, com as receitas caindo, sem perspectiva de melhora. Sou gerente de folha de pagamento”.

 

Se bem conheci o Velho Siqueira ele diria mais: “Enfrente, supere, vença. Busque os velhos companheiros que nunca o abandonaram. Se não roubar, faz!”

 

E se entre os dois, sua excelência o eleitor pudesse intervir e dar um palpite seria mais ou menos assim: “assuma os erros governador, escute o povo, consulte pelo menos os companheiros que o ajudaram na hora de decidir as eleições. Recupere o rumo e o afeto do povo. Ainda dá tempo!”

 

Quem não acha que errou, ou que está errando, não se corrije. E sem correção de rumos, este governo que aí está, não decolará agora, nem amanhã, quando o tempo implacável marcar o seu fim. É duro, mas é verdade. Vale a reflexão!

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