Suspeito preso e nada de Laura, 62 dias depois...

A precariedade das condições de trabalho enfrentada pela Polícia Civil, a falta de delegados no interior, de agentes em número suficientes, de viaturas... E as crianças, alvo fácil, continuam na mira

A estratégia adotada pelo principal suspeito de ter levado a menina Laura Vitória, 9 anos, há mais de dois meses, do bairro onde morava, Lago Sul, na capital, é a negativa de envolvimento no desaparecimento da menina.

Mesmo com todos os indícios apontados pela polícia, somados às contradições no depoimento, a defesa e o suspeito parecem apostar que negando e sem provas materiais da execução, ficará difícil responsabilizar Ronaldo Santana da Silva.

Não é fácil acreditar nos protestos de inocência do suspeito - que tentou aliciar uma menina de 10 anos, no mesmo dia, quando demonstrava sinais de embriaguês - diante da sua ficha criminal. Ela exibe estrupro de vulnerável, sendo que na última ocorrência, o mesmo teria sido preso em flagrante.

Enquanto o auxiliar de serviços gerais -  que estranhamente tem recursos para bancar dois advogados – segue preso, Laura Vitória segue em local ignorado. Viva? Investigadores acham difícil. Morta? Quem sabe onde...

O que este caso expõe, de maneira cristalina, precisa ser enfrentado. Pelo bem de outras crianças, que podem ser alvo de quadrilhas especializadas em furtar menores. Seja para que finalidade criminosa for: abuso sexual, rede ilegal de adoção, tráfico de órgãos.

Refazendo os passos de Laura, entrevistei no final de fevereiro, a delegada Maria Neta, da delegacia especializada em proteger crianças e adolescentes.

Não nego que perdi o resto do dia, paralisada pelas imagens fortes dos casos que ela narrou. O mal estar contaminou a redação inteira, quando compartilhei sua sensação de impotência ao se deparar todos os dias com criminosos frios. Que usam e abusam de crianças. Que torturam. E seguem impunes. “Está difícil manter preso até quem mata, imagina quem abusa de uma criança”, desabafou a delegada na ocasião.

Abre parênteses...

Um servidor público, morador do plano diretor da Capital, foi surpreendido pela madrasta de um adolescente lhe enviando fotos de um pênis ereto pelo celular. Convidava o menino para ir à sua casa, jogar vídeo-game e entrava nos assuntos libidinosos. A foto era para estimular o menino a se mostrar também.

Esperta, ela só pegou a conversa por que a página do facebook do enteado, ficou aberta no seu celular. Então ela se passou por ele, descobriu o endereço, as características. Juntou tudo e levou à DPCIA. A delegada agiu: pediu busca, apreensão, prisão.

Quando os agentes chegaram à casa, apreenderam no computador do dito cujo, aliciador, todas as provas de que precisavam: fotos, vídeos. Meninos em fila, nus, usados para sexo oral.

O sujeito continua solto. Tem residência fixa, não tem antecedentes criminais. Tem emprego. E a justiça negou sua prisão. Fico imaginando a indignação das mães.

Pano rápido.

Um pai, amarra para trás as mãos de seu filho de 11 anos e o estupra. É um ser humano? é um monstro? É mais um, engrossando a lista de casos de familiares que abusam de crianças e adolescentes. O agressor, na maioria das vezes, conta a delegada, é do núcleo familiar. Também está solto...

Outro caso, também na capital...

Um tio, penetra uma menina de três anos com o dedo, durante um passeio de domingo, num banho público com a família. A criança chora, sangra, conta. A mãe desesperada, procura a delegacia. O que conseguirá? No máximo, ordem de restrição.

Fecha parênteses.

Esses casos desfilam toda semana diante dos olhos de agentes e da delegada da Infância. Ela não culpa o Judiciário, diz que a lei dá brechas...

Eu pergunto: dá para deixar gente deste tipo solta? O que este “servidor público” continuará a fazer?

“ O que me preocupa é que a Organização Mundial de Saúde caminha para estabelecer a pedofilia como doença. Aí sim, nós não teremos mais chance de prender esses criminosos”, manifestou a delegada, preocupada.

Sistema tem que mudar e Estado melhorar condições de trabalho

Sem medo de errar, o caso Laura está nos ensinando que o sistema tem que mudar. O registro do desaparecimento da menina num sábado, virou ordem de missão no final da tarde de uma segunda-feira. Diligências começaram na terça. A Homicídios assumiu o caso na quarta a tarde, três dias depois que ela foi levada. Quarto dia do desaparecimento.

Só Deus cuidou de Laura. Ela não contou com mais ninguém. E até hoje não se sabe do seu paradeiro.

A lição que fica é clara: quem tem seus filhos, deve redobrar os cuidados com eles. Se uma criança some num fim de semana, a especializada só entra em campo na segunda. E para procurar primeiro em hospitais e IML. Coisa que a própria família pode fazer.

Faltam viaturas para a Polícia civil trabalhar. As da Quality, recolhidas por falta de pagamento no último ano de governo Sandoval, nunca foram relocadas. Na DPCIA por exemplo, é um Uno com pneus carecas e sem amortecedor.

Falta munição. É escandaloso, mas faltam condições mínimas para refazer a rota de um criminoso fora de Palmas. Falta treinamento, para que investigadores compreendam e cuidem bem destes casos. Falta um protoclo de ação, como tem a polícia americana.

Faltam novos quadros e claramente falta uma política de valorização do trabalho da Polícia Civil. E sem isso, definitvamente, nós ficaremos reféns de criminosos frios, que executam vítimas sem piedade.

Nem  estatísticas de verdade a Segurança Pública tem, para nos dizer quantas crianças efetivamente desapareceram e quantas fugiram de casa e voltaram depois.

É uma escuridão sem fim a que cerca crimes de natureza torpe em Palmas, tendo como alvo os mais inocentes, que precisam ser protegidos.

No meio deste cenário, não adianta autoridades da Segurança se preocuparem em coibir e punir agentes que falam com jornalistas, ou se irritar com jornalistas que cumprem seu papel inquiridor.

É preciso agir. É preciso mudar. É preciso investir. O tempo está passando e o Tocantins já não é mais aquele estado pacato e seguro.

Ao contrário. Está, a cada dia, mais distante disto.

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