Tchau, querida! A justiça chegará com a história

O Congresso Nacional, Câmara e Senado, afastaram uma presidente que não cometeu crime. “Posso ter cometido erros, crime não”, disse Dilma na despedida

Crédito: Foto: Da Web

Terminou ontem, após um ano e pouco mais de quatro meses, o segundo mandato da presidente Dilma Rousseff.

 

Quase 24 horas depois do seu afastamento, tenho a nítida impressão de que falta a muitos a percepção histórica deste momento. Talvez quanto mais longe do Brasil, de seu noticiário, do clima criado pelo massacre midiático em torno do impeachment da presidente, mais brasileiros distantes tenham noção do peso, da relevância, do significado deste nosso capítulo da história.

 

O Congresso Nacional, Câmara e Senado, afastaram uma presidente que não cometeu crime. “Posso ter cometido erros, crime não”, disse Dilma na despedida.

 

É uma presidente que saiu amparada ainda por significativo apoio popular e não só de seu partido, o PT, envolvido em investigações de corrupção ativa e passiva, que não lograram o êxito de chegar até a agora, ex-presidente.

 

Dilma Rousseff nasceu numa família rica. Trilhou caminho próprio, levada por suas convicções políticas. Foi perseguida e torturada por elas. Cedo ocupou cargo público, em Porto Alegre. Fez sua história. É mulher culta, que leu muito ao longo de sua vida, que gosta de ópera, que tem patrimônio para viver tranquilamente o resto da vida. Independente do que tenha direito como ex-presidente da República do Brasil.

 

A Dilma julgada pelo Congresso Nacional é a Dilma que cometeu erros na economia, erros na condução do seu governo, e o supremo erro de não conseguir lidar com os parlamentares e seu jogo de trocas na disputa por nacos de poder.

 

Brasília é assim: um palco de disputa de interesses. Nosso sistema eleitoral é assim: elege com base no voto comprado, trocado, negociado, com raríssimas exceções. E de um sistema deste não se pode esperar nada diferente de políticos habituados a colocar preço em tudo, a enxergar em cada canto do serviço e das empresas públicas, uma oportunidade de ganhar vantagem pessoal. Não temos muitos bons políticos. A legitimidade dos mandatos aqui conferidos fere a ética do que deveriam ser as relações políticas e de representatividade.

 

Assistindo desde ontem as comemorações em torno da saída da presidente eleita com votos de mais de R$ 54 milhões de brasileiros, creio que além da falta de habilidade em lidar e conceder favores no mercado dos interesses, pesou sobre ela o recrudescimento do desemprego, a crise econômica que é nossa, mas que também é mundial.

 

Por tudo isso vejo no “Tchau, querida!”, que muitos usaram nas últimas semanas na tentativa de humilhá-la, um outro sentido, oculto. É o da alegria de muitos que não se conformavam em ter uma mulher presidente, em poder finalmente afastá-la. Uma mulher forte, que de tão independente muitas vezes soou arrogante. Que teve que se empoderar num universo masculino, muitas vezes, subindo o tom de voz. A história lhe fará justiça, num dia, talvez não tão distante.

 

Dilma sai e alivia a parcela do País que via na sua presença lá, na presidência, a origem de todos os problemas do Brasil. Começa hoje a desilusão, para muitos. Aliás, começou ontem para alguns com a composição do esdrúxulo ministério de Michel Temer, o vice que tramou nas trevas dos meandros do poder, a queda da sua companheira de chapa.

 

Todos torcemos pelo Brasil: os que tiveram o voto nas urnas desrespeitado pelo Congresso Nacional, e os que queriam Aécio ou outra opção e perderam a eleição, mas encontraram outro meio para destituir Dilma, antes do fim do seu mandato.

 

As conquistas sociais que os últimos 13 anos deixaram, são inegáveis. Os erros cometidos na condução da economia não as apagam. O Congresso sim, é capaz de anulá-los a partir de agora, dependendo dos absurdos que se propuser a votar para atender o interesse das elites que estão à volta de Temer.

 

É de se duvidar que o impeachment tenha o condão de pacificar o País. Creio que só novas eleições teriam. Vamos ver agora o que acontece com as diversas fases da Lava Jato, com os processos que repousam no STF, com as delações que borbulharam nos últimos meses, com a autonomia da Polícia Federal, com Cunha, e com os ficha suja que Temer alçou aos ministérios. Ele próprio, cercado de citações e acusações.

 

Para a mulher que deixou a presidência ontem de cabeça erguida, resistindo até a última hora, apesar de todo o desgaste físico e emocional imposto pela guerra travada desde que venceu as eleições de 2014, resta o tempo.

 

Este que pode ser vagaroso, mas que um dia lhe fará justiça. Nem me refiro a um retorno à vida pública, mas à sua biografia que ficará para as gerações de brasileiros que ainda não entendem o que se passa na TV. A justiça do tipo que só chega com a história.

 

Tchau, querida…! Milhares de brasileiros também desceram a rampa com você.

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