Um Jalapão que brilha na novela enquanto seu povo sofre e pede… estrada!

A região do Jalapão é rica e ao mesmo tempo pobre de recursos materiais, envolvida numa eterna disputa de terras com a União

Crédito: T1 Notícias

A novela que parou o Tocantins inteiro na frente da TV na noite de ontem, segunda-feira, 22, fez brilhar os olhos da pequena Rayla, de 10 aninhos, na praça central de Mateiros, diante dos dois telões que o governo do Estado fez colocar para que a comunidade se visse, via satélite, no horário nobre da TV Globo.

 

“Olha lá! Aquela sou eu!.. Olha lá, Olha lá”, dizia ela para as amigas em volta e para quem mais quisesse ouvir. Saltitante, se vendo na cena da colheita do Capim, produzida na novela de uma forma bem poética, em que a professorinha dança no meio do matagal, cercada das crianças do povoado fictício da novela, Rayla era a expressão da felicidade.

 

Do outro lado do Paraíso mostrado nos telões e na telinha, gente rica e gente pobre, autoridades e populares se reuniram para sonhar e se ver na praça. Um evento bem feito foi preparado pelo Palácio. Haviam, ocupadas, 210 cadeiras, pipoca e limonada.

 

A vice-governadora, Cláudia Lelis chegou no final da tarde para acompanhar com a comunidade esse primeiro capítulo. Foi cercada pelos estudantes que levaram a pergunta quentinha: “como a senhora se sente chegando aqui de avião?”. Cláudia respondeu que teve outro compromisso mais cedo em Porto Nacional, quando acompanhou o lançamento da obra da ponte sobre o rio Tocantins, mas que fez questão de ir de avião para conseguir chegar.

 

Depois, na praça, teve que ouvir o desabafo do ex-prefeito Matias, um dos proprietários de terras, reclamando o que 3 de cada quatro moradores de Mateiros repetem como num mantra: “estrada, não queremos conversa bonita, queremos estrada”.

 

Nas duas ocasiões e com os prefeitos, a vice-governadora reafirmou o discurso do governo de que os recursos estão encaminhados e de que a pavimentação da estrada vai sair, através do Prodetur. Até lá, o acesso a Mateiros será feito com o maquinário do Estado e recursos do PDRIS. "A gente entende a situação e não tira a razão das pessoas que reivindicam, mas estamos empenhados em resolver a situação", dizia ela.

 

Misturados na praça, pobres e ricos moradores de Mateiros, eram só o sonho e a expectativa na noite de ontem. Uns sonhando com toda a mudança de vida que a novela pode trazer para uma região rica em biodiversidade, dona de um imenso patrimônio ecológico e turístico. Outros na expectativa de ser ator. Principalmente as crianças, que sonham, sem que ninguém lhes desautorize.

 

A região do Jalapão é rica e ao mesmo tempo pobre de recursos materiais, envolvida numa eterna disputa de terras com a União, que rouba a titularidade dos donos de áreas e lhes nega a legitimidade que o documento traz, nas transações comerciais e nas operações bancárias às quais não têm acesso.

 

Após seis horas na estrada, 200 quilômetros de chão, numa terra que é mais areia do que qualquer outro material, é possível compreender o sofrimento que a gente de Mateiros, São Félix, Lizarda, encara por ali. São “panelões” cobertos pelo pó tornando a estrada perigosa e traiçoeira. Muitos trechos só permitem a passagem de carro traçado.

 

Dividindo o banco traseiro de uma das cinco camionetas que foram levar jornalistas dispostos a acompanhar em Mateiros, o primeiro capítulo da novela, recebi uma verdadeira aula da colega Wenina, da Folha do Jalapão, que labuta por lá há 16 anos, rodando seu jornal e levando informações importantes para aquela região. “Eu vi aqui uma das cenas mais marcante da minha trajetória de jornalista”-  me contava ela - “crianças empurrando um ônibus escolar para ajudar a desatolar”.

 

Viajei no tempo para ouvir  de novo, na memória, uma conversa que tive com Deusimar Coelho, ex-prefeito de Novo Acordo, nos idos de 1991, quando cheguei ao Tocantins e fui àquela região pela primeira vez, a passeio. Não passei de São Félix. Era tudo estrada de chão, inclusive Palmas. Deusimar, muito engraçado, brincava que a estrada até Mateiros era um sonho e uma necessidade, mas que a vida lá era tão sofrida que: “o dia que a estrada chegar lá, o povo vem todo embora”.

 

Anos depois, a realidade mudou pouco, mas uma coisa é certa: o povo não vem embora não. As pessoas em Mateiros exibem uma dignidade que enche os olhos de quem chega. Do mais simples ao mais “endinheirado”, é um povo altivo. Ciente do seu valor de sertanejo resistente. Resistem ao sol, às dificuldades da falta de muitos recursos e lógico… à péssima condição das duas estradas: a que dá acesso via Ponte Alta, e a que dá acesso via São Félix.

 

Na manhã desta terça-feira, me despedindo de Dona Vera, uma senhora que cuida do jardim da sua Pousada Buritis com o amor maior do mundo (é um oásis verde no calor causticante que a poeira só faz elevar na sensação térmica), ouvi um depoimento forte, tocante.

 

“Olha, o que nosso povo vive aqui é desumano. Outro dia dormimos na estrada, por que o caminhão que trazia material de construção para a reforma da pousada quebrou. Foi preciso uma máquina da prefeitura de São Félix ir no outro dia para desatolar. Muitas mulheres dão à luz nessa estrada. Nós não precisamos de asfalto não, dona Roberta. Nós precisamos é da estrada conservada, por que se o asfalto chegar aqui eu nem sei o que vai acontecer”, desabafa ela. Numa região sem cascalho para ajudar na recuperação, tudo fica distante e longe. É um areial sem fim. Um sofrimento diário e aparentemente também sem fim.

 

Dos dois prefeitos, de Mateiros - pastor João - e de São Félix, Marley - só ouvi esperança. O primeiro acredita que “Deus está preparando tudo, para o momento certo”, que é a pavimentação da estrada. O segundo acredita que o dinheiro do Prodetur, aprovado no CAF, vai chegar logo, para custear os projetos ambientais da estrada, que começam a ser licitados.

 

Sem ser pessimista, é uma estrada que levará ainda 3 anos para se tornar realidade, descontado o período eleitoral, licitação e contratação de projetos, contratação da obra, e execução. Isso com muito boa vontade política.

 

Retorno do Jalapão nesta terça-feira, 24, profundamente marcada pelas impressões das últimas 24 horas. A novela é um grande impulso para as visitações - que segundo dados do governo, já cresceram em 40% nos últimos meses só com a divulgação das filmagens - mas o que vi em Mateiros é preocupante.

 

A comunidade precisa ser preparada para receber profissionalmente o turista. O Sebrae, Fieto, e as pastas afins ao comércio e turismo no Estado precisam se juntar e cumprir seu papel.

 

Falta infraestrutura de alimentação na cidade. “Aqui todo mundo coloca pousada por que é mais fácil de tocar. Restaurante precisa dos produtos, dos alimentos e a estrada desse jeito dificulta”, me disse um empresário. Falta controle de carga nos atrativos.

 

Uma grande rede que reúna mais que boa intenção precisa ser criada para proteger e preparar o Jalapão para tamanha visibilidade.

 

Assistindo ao por do sol nas dunas, repleta de visitantes, percebi que não há controle a não ser apenas um vigia na porteira, permitindo o acesso. Se fica lixo, plástico, ou outra coisa, ninguém sabe, ninguém vê.

 

Independente da novela, a região do Jalapão (cujos votos nunca foram suficientes para que a classe política do Estado honrasse as promessas que os moradores ouvem há bem mais que 20 anos) vive e sobrevive bem unicamente de seus recursos naturais.

 

Que cada um faça a sua parte e logo. Antes que a grande vitrine que é a Globo coloque mais gente lá do que a frágil estrutura física e humana desse paraíso pode suportar.

Comentários (0)