A miopia religiosa empobrecendo a pauta do Legislativo no Tocantins

Nove deputados aprovam em nome de todo Tocantins, moção de repúdio à Rede Globo por exibir numa telenovela, beijo entre mulheres da terceira idade. Um retrato da pobreza do debate na Assembléia...

Deputado Eli Borges (Pros)
Descrição: Deputado Eli Borges (Pros) Crédito: Bonifácio/T1Notícias

A Assembléia Legislativa aprovou ontem, com o voto de nove deputados, abstenção de três que não quiseram se comprometer e com voto contrário apenas dos deputados Eduardo Siqueira Campos(PTB) e José Roberto(PT), uma moção de repúdio à Rede Globo.

 

Votaram pela aprovação: Eli Borges, Amélio Cayres, Eduardo do Dertins, José Bonifácio, Osires Damaso, Wanderley Barbosa, Valderez Castelo Branco, Rocha Miranda e Nilton Franco. Incluido entre os presentes, o deputado Mauro Carlesse negou que tivesse participado da sessão.

 

O repúdio acontece não porque a emissora evite temas importantes para o País em seu jornalismo. Ou porque acreditem que ela tenha linha editorial tendenciosa. Ou ainda que hajam dúvidas se sonega ou não impostos.

 

A moção contra a maior emissora do País, deve-se a um beijo gay na novela das oito, Babilônia, uma trama que tem se mostrado fraca a ponto de registrar uma das audiências mais baixas da emissora. Não que a novela “Em Família˜, exibida há meses, também com baixa audiência como esta que recém começou, não tenha exibido vários beijos gays.

 

As novelas em geral, da Globo ou não, tem exibido com mais naturalidade beijos entre iguais, homens e mulheres. Na novela que passou, uma das atrizes mais belas do País, Giovana Antonelli representou o papel de uma mulher casada, que passou a trama inteira se dividindo entre o marido bonitão e uma fotógrafa bonitona. Venceu a fotógrafa com direito a casamento entre as duas no final, com o ex-marido assistindo. Civilizadamente. Coisa de novela, é lógico.

 

Qual a diferença então que os nobres parlamentares encontraram entre a trama do ano passado e esta? Será que a ofensa maior sofrida pela família brasileira tradicional, no entendimento do deputado pastor Eli Borges, autor do requerimento, foi o fato de que o beijo foi trocado entre duas personagens da terceira idade? Lembraram a avó de alguém?

 

O que a Assembléia Legislativa conseguiu ontem pela minoria dos deputados que compõem a Casa (mairoia naquela sessão), foi diminuir o tamanho do Tocantins. Quis cercear o direito dos homossexuais de se enxergarem numa trama novelesca, que a princípio é arte retratando a vida.

 

Se esta moção - que não serve para nada além de expor para o Brasil o nosso provincianismo- tivesse o efeito prático de alterar a programação da novela, gays tocantinenses (homens e mulheres) estariam impedidos de assistir beijos iguais aos que trocam entre si, num canal aberto de televisão. Por que? Por que isso incomoda tanto aos seguidores de Eli? Os aparelhos de TV na casa do deputado e dos que ele representa neste caso específico não tem controle remoto? Lá não estão acessíveis outros canais?

 

Pior: por que cargas d’água, caberia aos deputados tocantinenses escolher o que nós todos devemos ou não assistir num canal de TV? voltamos aos tempos sombrios da ditadura?

 

A se julgar pelo resultado da votação,  a história de duas mulheres de meia idade envolvidas emocionalmente incomoda não só a Eli, mas também a outros parlamentare já conhecidos pelo trato e pela visão de mundo por diversos outros episódios…

 

A maioria dos deputados presentes à sessão votou acompanhando o deputado pastor. Exceção, é preciso lembrar, da deputada Luana Ribeiro, que manifestou-se contra a moção no dia anterior. 

 

O episódio serviu para evidenciar o conservadorismo da bancada do governo, que tem na área de direitos humanos uma mulher do PT, Gleidy Braga, forjada nos movimentos sociais. O PT aliás votou de duas maneiras: abstendo-se com Paulo Mourão, líder do governo e contrário, com o voto de José Roberto, coerente com a militância e programa do partido. Já Amália Santana, evangélica, deixou claro na sessão anterior que não mistura religião com o parlamento, e se posicionou contra. Na sessão em que a moção foi votada, não estava presente.  

 

Sectário, Eli Borges não entende por que motivo nunca conseguiu legenda para ser candidato a prefeito de Palmas. De visão tão limitada e intolerante com a diversidade que a sociedade abriga, dificilmente será prefeito de uma capital. As pessoas temem radicais no comando dos destinos da coletividade. Gente que usa o poder para ditar regra na vida do outro. Que acredita que o Estado tem que interferir nos direitos individuais para tolhi-los. Gente que legisla em causa própria.

 

Eli parece desconhecer que somos todos filhos de um mesmo Deus. Regidos no Brasil pela mesma Constituição, que preconiza direitos iguais para todos. Inclusive para livre manifestação e para livre orientação sexual. Ele e seus companheiros.

 

O deputado, é evidente, tem direito de pensar como quer. De defender o que acredita. De identificar-se com a pauta da bancada evangélica em todo País na defesa da família tradicional. Mas Eli Borges não representa todo o Tocantins. Nem os deputados que votaram a favor do trambolho.

 

Por mais que não queiram, já faz décadas que outros tipos de arranjos familiares surgiram. São tão legítimos quanto a família tradicional. Não são compostas, estas famílias, por uma casta inferior de gente. Por seres meio humanos. ou por cidadãos de segunda classe.

 

Abre parêntese. 

 

Na verdade, em matéria de amor ao próximo, base do Cristianismo, Eli e outros estariam melhor se seguissem o exemplo de Francisco, o Papa. Aquele vive no seu apostolado à frente da Igreja a tolerância que Jesus ensinou. 

 

Fecha parêntese.

 

Voltando aos representantes do povo, o que está evidenciado neste episódio é o empobrecimento da pauta naquela Casa. 

 

Quando o beijo de duas atrizes na terceira idade tem o poder de incomodar tanto, é de se pensar quão frágeis são estas pessoas para entender que de alguma forma a família tradicional brasileira está ameaçada. Será que imaginam que ver um beijo entre duas senhoras, muda a orientação sexual de alguém?

 

Tolerância, respeito à diversidade, igualdade. Tudo isto ficou fora da pauta da Assembleia nesta quinta-feira, 26. O que aconteceu na Casa do Povo, abrigo da legalidade, foi só uma amostra do que a ignorância, agregada à pauta religiosa pode fazer se misturada aos assuntos de Estado.

 

As outras pautas importantes que movimentam um Tocantins alquebrado e cheio de problemas ficaram para depois. 

 

A Assembléia ligou a sessão e a discussão na fraca novela das oito da Globo e produziu um documento de uma pobreza sem fim. A moção da miopia religiosa só atestou como é grande a intolerância de uns poucos em nome de todo o povo do Tocantins.

 

(Atualizada às 20hs)

 

Nota de Rodapé: Embora sua presença tenha sido confirmada no painel da Casa, o deputado Valdemar Júnior informou em ligação ao T1 Notícias que não estava presente à votação e portanto não votou o requerimentodo deputado Eli Borges.

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