Preconceito e desinformação nas páginas tortas do Estadão

O Estadão lançou seu olhar de comiseração e piedade para o TO no fim de semana. Faltou olhar pela janela e ver que a pobreza é a mesma, tanto lá como cá. A diferença está entre a galinha e o lixo

Miséria registrada em São Paulo
Descrição: Miséria registrada em São Paulo Crédito: Da Web

 

 Em pelo menos três matérias jornalísticas publicadas em suas páginas na internet que pude ler nesta segunda-feira, 29, o repórter Leonêncio Nossa dá um show de preconceito e desinformação ao traçar um paralelo entre o avanço das plantações de Soja no Estado e a pobreza, fruto da desigualdade social que se observa ao redor das áreas plantadas.

 

Antes, uma ressalva: o tema é pertinente, a pobreza está lá, nítida, estampada, para tirar o sono de quem se importa com ela.

 

Concordo com o repórter e o jornal em três pontos: 1- a fome e a pobreza são reais no interior do sertão tocantinense; 2 – A soja não resgata ninguém que está a margem do processo econômico, nem promove distribuição de renda; 3 – E sim, os governos precisam fazer mais, especialmente o do Estado, no combate à fome e à desigualdade social.

 

Feito este corte, vamos ao ponto da minha indignação. O Tocantins é bem mais do que o olhar do repórter pode captar e traduzir nas paginas do grande jornal paulista.

 

Faltou um mínimo de apuração para dizer que o Estado tem IDH comparável ao do Maranhão. Ou o Estadão não conhece o Maranhão, ou só conheceu do Tocantins o pior que quis ver e mostrar, sabe-se lá por quê. Dizer que dos “169 municípios do Tocantins, apenas 3 (Palmas, Paraíso e Gurupi) tem menos de 10% da sua população acima da linha da pobreza, é uma aberração. Não se deu ao trabalho de conferir nem quantos municípios o Estado tem.

Ao tentar fazer uma ligação entre o que nomina como oligarquia familiar na política tocantinense, e a que observa também no Maranhão, apressa-se a fazer comparativos para dizer que o Tocantins empobrece com os Siqueiras como o Maranhão estacionou no tempo com os Sarney. E que o Estado é um duto por onde escorre o dinheiro público.

 

Cada um é livre para fazer as analogias que quiser. Inclusive esta. Mas é preciso se escorar em dados verdadeiros, no mínimo. E não no que se ouviu falar.

 

A comparação automática

 

Ao sair do eixo das notícias do Estado de São Paulo, para mostrar a pobreza de uma família que não conta com a energia todo dia, e se vale da lamparina, o jornal pode estar buscando cumprir seu papel social, mas com suas comparações apressadas, nos obriga a fazer a comparação óbvia. Aqui, na hora da pobreza, Dona Antonia, 65 anos, mata a galinha. Lá, famílias como a dela, reviram os lixões para se alimentar dos restos de uma sociedade hipócrita e consumista, que não planta soja, mas fabrica carros e eletrodomésticos sem parar. À margem de Marias, Franciscos e outros que alimentam os índices de miséria e morte nas grandes cidades.

 

Se ao lado das plantações de soja existem famílias pobres, resistindo num terreno arenoso, que não tem recursos materiais nem tecnológicos para plantar, quão diferente se pode dizer que é a sua realidade daquelas famílias em casas de papelão, e embaixo das pontes que se vêm em São Paulo?

 

Se aqui é humilhante ver as Hillux dos fazendeiros passando ao lado dos barracos de palha e adobe em Barra do Ouro, que dizer dos executivos na avenida Augusta, nos bancos e grandes corporações, que desfilam seus ternos de milhares de dólares e seus carros importados ao lado dos corpos transidos de frio que se encolhem nos pontos de ônibus?

 

A pobreza, amigos, está em toda parte. Para ver a miséria brasileira, fruto de décadas de desigualdade social, um bom repórter do Estadão só tem que olhar pela janela.

 

Que ela nos desafia a todos e aos governos mais ainda, não há dúvida! O que não dá para engolir é esse olhar complacente e piedoso de quem veio mudar o mundo dois mil quilômetros longe de casa, à custa de ideologismo barato e muito preconceito.

 

Provavelmente a vida da Dona Antonia - personagem da reportagem do Estadão, que matou a galinha que comprou para criar pintinhos e saciou a fome de seus filhos – continua a mesma depois  da reportagem do Estadão. A visibilidade sobre ela deve atrair por alguns dias a compaixão de alguns, e alguma iniciativa do governo.

 

Mas o que vai mudar mesmo esta realidade, não é o combate ao agronegócio, mas a formulação de políticas definitivas de resgate da população da pobreza, nos âmbitos do Estado e do Município, além do governo federal.

Uma nova distribuição de renda. Um novo mundo. Quem está disposto a isto? Não vejo ninguém na grande mídia sustentar esse discurso. Muito menos quem ergueu suas fortunas à custa dos pilares sagrados do capitalismo que alimenta a muitos, inclusive o Estadão.

 

 

 

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