A greve, a crise e a viagem do governador

Servidores paralisam o Estado enquanto Miranda viaja pela Europa. Projeto na Assembleia desagrada sindicalistas e oposição. No governo, Cláudia Lelis não tem como decidir a pendenga... e a vida segue.

Fui tomar café no mesmo lugar de sempre, nesta quarta-feira, 17, um pouco mais tarde que o habitual.

 

 

Sozinho, o dono do lugar puxou papo. “É irmã, tá vendo aí essa greve? Esse pessoal não quer saber de trabalhar não. Pra gente que luta com empresa, de sol a sol, não tá fácil. Aí “os cabra” trabalha suas horas certinhas, no ar condicionado, recebe todo mês e não tão satisfeito não. Já viu o atendimento? é ruim em quase todo lugar…” e seguiu falando mal do Detran e outros casos.

 

 

Eu ainda argumentei: “pois é, greve não é fácil mesmo não, mas tão cobrando a correção salarial”. E ele: “Moço, o Marcelo pegou esse Estado quebrado de todo jeito, aí veio greve de polícia, greve de professor e agora greve geral. Ninguém aguenta. Pra nós do comércio é ruim demais, porque cai o movimento”… e a conversa seguiu.

 

 

Com pressa, já atrasada, engoli o que faltava e me despedi ainda ouvindo o cidadão falar como foi ruim a época em que o ex-governador Siqueira Campos manteve o horário corrido: “muito restaurante pequeno alí perto da Praça dos Girassóis quebrou. Marido e mulher que trabalham pro governo demitiram a empregada. Foi muito desemprego, viu?”

 

 

Pano rápido. Volto ao papo com o rapaz lá no final...

 

 

Fui trabalhar refletindo no senso comum que vai nas ruas sempre que se fala em greve de funcionalismo público. Se é difícil para o cidadão comum compreender, para pequenos empreendedores, empresários, comerciantes, mais ainda.

 

 

É que a realidade da vida ganha nas ruas, fora da estabilidade do serviço público e seus direitos adquiridos, é dura. Um professor da rede privada, num bom colégio particular na Capital, ganha R$ 2.100,00. O mesmo professor na rede publica ganha R$ 4 mil. O primeiro não tem horas para planejamento inserida na sua carga horária. Nem dois recessos anuais mais férias. Enfim, coisas da vida. E o da rede pública não está satisfeito. Quer mais. É da natureza do ser humano.

 

 

Na rede social Twitter, uma amiga jornalista provocou esta semana: “o que aconteceria se todas as categorias pudessem arbitrar livremente seus salários?” O caos. Por que esta seria uma conta que jamais caberia na arrecadação do Estado, do Município. Como provavelmente quebraria as empresas se ocorresse na iniciativa privada.

 

 

Voltando à greve dos servidores públicos. Não há dúvidas de que a data-base precisa ser paga. É um direito. A lei determina. Ponto final.

 

 

Tem dinheiro para honrar esse compromisso? O governo sustenta que não. Parcelar em duas vezes é possível? Aí já é outra discussão.

 

 

Parcelamentos já ocorreram no passado. O governo Siqueira Campos, por exemplo, fez uma ampla discussão/negociação com os sindicatos. Mas não era apenas Lúcio Mascarenhas, o secretário de Administração, quem se sentava com os servidores. O governo tinha um interlocutor, com o sobrenome do governador, à frente das conversações. Gastando saliva e conta no papel até esgotar todas as possibilidades.

 

 

Verdade seja dita: o governo Marcelo Miranda não tem um interlocutor poderoso. E o governador, em pessoa, não recebe sindicalistas, preservado pelo seu staff para apenas assinar um acordo quando estiver pronto.

 

 

Ao secretário da Administração, não falta dedicação nem conhecimento, mas a pouca experiência em gerir crises desta natureza tem dado uma conotação de inflexibilidade em suas falas sempre que se senta com os sindicatos. E isso desde o começo da gestão, quando tentaram o parcelamento do salário atrasado de dezembro a perder de vista.

 

 

O fato é que Marcelo Miranda viajou com a crise na mesa. E deixou o abacaxi para a Assembléia Legislativa descascar, enquanto o Estado é comandado pela governadora em exercício, Claudia Lelis.

 

 

Numa coisa o coro dos críticos tem razão: Ôh hora ruim pra viajar. Por outro lado, cobrar que a governadora se posicione sobre a greve é muita ingenuidade. Sem poder para resolver, uma vez que está no cargo de passagem, não cabe a Claudia Lelis dar opinião sobre a greve. Governador não opina, resolve. E no caso dela, sem poder resolver, só lhe resta acompanhar o desenrolar dos fatos e conversações enquanto toca a agenda mais positiva que estiver em suas mãos fazer acontecer.

 

 

De volta ao começo, lá no cafezinho, percebi uma coisa enquanto dirigia para a redação: a falta de noção do tocantinense que não sai do Estado, de como está a crise por aí, em outros Estados do País.

 

 

Voltando de viagem no fim de semana passei por Guarulhos-SP, onde devolveram carros alugados para a fiscalização, por falta de pagamento, onde o lixo não é recolhido mais com regularidade, onde a arrecadação caiu. Em São paulo, como se sabe, falta até água. Uma garrafinha de 500ml de água mineral me custou R$ 5,25. O Tocantins não é uma ilha.

 

 

Tenho defendido que o governo gaste menos com pessoal. Corte onde der, demita nas frentes em que atuam servidores hoje bem menos necessários. Mas este parece ser um exercício muito doloroso para a atual gestão. Assim como para qualquer uma que tem pretensão política pela frente.

 

 

Por outro lado, lideres sindicais, na resistência, ainda não compreenderam a real situação das contas públicas que não fecham. E mesmo que tenham razão em questionar e criticar o que consideram excessos, precisam entender que o serviço público não pode ter um custo mais alto para o todo da sociedade, que seja sacrificante demais para ser pago.

 

 

O que acontece com muita greve, é que o patrão - neste caso o contribuinte - começa a achar que em muitos casos, não faz muita diferença. E em outros, passa a defender a demissão. Como o cidadão do cafezinho: “eu queria que tivesse uma lei proibindo greve. Aí queria ver nego ganhar sem trabalhar”.

 

 

Reacionário? Sim. Mas como ele, outros também começam a pensar.

 

 

O Tocantins vai por um caminho em que fatalmente terá que enxugar sua máquina pública, por demais onerosa. E achar outra solução, fora do serviço público. Se não está bom para quem tem estabilidade e salário razoavelmente em dia, é preciso acender o alerta: ainda pode ficar pior.

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