Aberta a machadadas, caixa preta da Celtins esconde o prejuízo do consumidor

Um trabalho meticuloso de auditoria nos documentos da empresa mostram que o sócio majoritário tomou decisões para favorecer seus parceiros e penalizou o consumidor tocantinense. Vergonha!

Crédito: Divulgação

 

Entra para o rol dos absurdos cometidos contra o consumidor, a política de compra de energia feita via contratos pela Celtins nos últimos anos no Tocantins, conforme escancara o governo do Estado na ação que corre na 2a Vara da Justiça Federal, publicada nesta sexta-feira, 16 no Portal T1 Notícias.

 

Para entender melhor o caso, fui conversar um pouco mais sobre o assunto com quem entende do ramo. Por que passou desapercebido durante anos que a empresa comprava energia mais cara do que deveria, de suas “partes relacionadas”, ou em bom português, das empresas pertencentes a mesma holding que a própria Celtins?

 

Um técnico traduziu pra mim: a tarifa é calculada em duas partes. Uma delas é fiscalizada pela Aneel -  justamente onde entra a energia adquirida no mercado, usualmente em leilões -  a outra é chamada de “custos não gerenciáveis”. Resumindo, a Aneel não fiscaliza esta parte. E é lá que estão os contratos que a empresa compra dos seus parceiros, por assim dizer.

 

Normalmente fiz a pergunta que qualquer leigo faria: mas por que se compra mais caro, não há nada que impeça este lado B do negócio? Pacientemente minha fonte explica que como cabe a Aneel fiscalizar os contratos de energia elétrica, o TCU não cuida deles. E assim, sobra apenas aos acionistas acompanhar o que a direçãoo da empresa faz. Neste caso, o acionista majoritário fez. E o minoritário pagou a conta. E que conta. Os índices do que poderia ter sido economizado pelo consumidor varia de 6% a 13% ao ano. Um assalto legalizado.

 

É o absurdo dos absurdos, por que em meio aos meandros técnicos e burocráticos do setor, envoltos na opaca nuvem do desconhecimento, esta prática passou sem que ninguém percebesse nos últimos anos. Se alguém no Estado viu, deixou passar por interesses outros.

 

O fato é que o governo federal instalou há alguns anos um modelo que visava justamente impedir que uma só empresa produzisse energia, transmitisse e distribuísse.

 

Na teoria, a divisão impediria uma série de problemas. Mas o resultado é que as holdings são donas de empresas que atuam nas três pontas. E compram de quem querem a energia que uma de suas empresas vai entregar na porta do consumidor.

 

Assim, comprando das suas “partes”, compra pelo preço que a parte quer vender e não pelo preço mais barato do mercado. A Holding ganha duas vezes. E o consumidor paga a conta.

 

Em síntese, é isto que o governo do Tocantins está comprovando nos documentos que mandou à justiça federal no final da tarde de ontem. Esperei a resposta da empresa a tarde toda, para ouvir uma explicação qualquer convicente. Não veio. O que concluir então? Que a lei de Gérson vem prevalecendo, infelizmente.

 

Parêntese.

 

Quem passou por alí e viu de longe a conversa entre o governador Siqueira Campos(PSDB) e o ministro Dias Tófoli no salão branco do STF esta semana, assistiu a um Siqueira indignado diante do que a auditoria contratada pelo Estado descobriu.

Agitado, ele mostrava os gráficos ao ministro e apontava ainda a diferença que se abriu entre os Estados produtores de energia, na região Norte do País, e os que estão no Sul. O custo da energia para os estados mais pobres é quase o dobro do que pagam os estados mais ricos.

 

A lógica é o adensamento urbano. “Traduzindo, em São Paulo são milhares carregando o piano e dividindo o peso de um custo, que no Tocantins menos gente carrega e portanto, divide”, me explicou outra fonte. Na prática, o Tocantins paga o ônus ambiental de transformar seus rios em lagos e hidrelétricas, consome apenas 1/6 da energia que produz e paga mais caro por ela do que deveria.

 

Uma lógica desumana, desigual, e por isso mesmo fere os princípios constitucionais, na tese defendida pelo procurador Geral Andre Matos. Que aliás, vale outro parêntese. Corajoso e competente o trabalho de enfrentamento da PGE quanto ao problema da falta de transparência na condução da Celtins por sua diretoria nos últimos anos, e agora sob o comando do interventor.

 

Siqueira -  que pode ter todos os defeitos que lhe imputam -  é inegavelmente um grande defensor do Estado e inimigo dos que tentam se beneficiar indevidamente de suas riquezas. Na sua indignação com tudo o que a Celtins vem lucrando ( e perdendo, por mal gerida que tem sido) encontrou em André Matos a mão que martela insistentemente a caixa preta, para lançar sobre ela alguma luz.

 

Em nota ao Portal T1 Notícias a empresa disse que não vai se manifestar sobre as informações levantadas de documentos públicos pelo Estado, e devidamente juntadas na ação.

 

Pode ser estratégia de defesa. Pode ser vergonha de admitir uma prática que deve ter enchido o bolso de uns poucos, mas que vem penalizando ao longo dos anos uma leva de tocantinenses sobre os quais pesa esta tarifa injusta. O silêncio permite a dúvida.

 

Analisando tudo isto, é de tirar o chapéu o enfrentamento que o Estado faz do problema.

 

Está nas mãos da justiça recompor o equilíbrio dentro da composição societária da empresa. Não é possível que quem detém os 51%, decida por quem tem os outros 49%. Estes últimos a grosso modo somos nós, tocantinenses de nascimento ou não, que estamos penalizados, condenados a pagar esta conta absurda.

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