O taxista estava indignado. Só queria comentar o assunto. Esperava uma resposta do presidente. E duvidava que ele não soubesse de nada do que acontecia bem alí - literalmente - debaixo do seu nariz.
Para mim o assunto era menos presente e menos importante na minha então agenda diária. Fiquei impressionada pelo alto grau de politização do povo baiano, já que por aqui, pouca gente se importava em discutir o assunto.
Pois bem.De volta aos dias atuais,encerrado o julgamento da quadrilha que operou o Mensalão, pelo STF, fixadas as penas, e 15 dias depois do escândalo Rosemary ( a poderosa Rose), vem à público o depoimento de Marcos Valério na sede da Procuradoria Geral da República em que diz o que muita gente já desconfiava: que Lula sabia.
Não só sabia, afirma o principal operador do esquema condenado e tipificado em lei pelos ministros do Supremo, mas foi beneficiado. E Valério cita dois fatos importantes: depósito em conta de empresa do segurança e faz tudo Freud, e pagamento pelo PT do advogado de Lula.
Tudo isso na Europa, ou nos Estados Unidos, seria material mais do que suficiente para abertura imediata de investigação sobre o ex-presidente, com status de eterno no coração de milhares de brasileiros arrancados da fome e da miséria por sua política durante oito anos instalado na nossa Casa Branca.
Lula no Brasil e principalmente diante das classes C, D e E, é quase um semi-deus. É um mito, uma lenda. Hoje pela manhã, ouvindo a CBN, escuto que “são necessárias provas mais robustas que as simples afirmações de Marcos Valério” para investigar Lula.
O fato é que o ex-presidente é blindado por vários motivos. Os políticos, são evidentes. Lula é o PT. Lula é o principal ativo político da presidenta Dilma Roussef - que a seguir como vai garantirá reeleição tranquila – Lula tem muitos inimigos. E ontem no Twitter ouvi o mais engraçado dos argumentos: Lula não tem que ser investigado, afinal, sobre Fernando Henrique Cardoso pesavam várias acusações e ele nunca foi investigado ou processado.
O outro motivo no entanto, é emocional .
A verdade é que o Brasil detesta se olhar no espelho e ver refletida nele uma imagem distante da idealizada para Lula nas últimas décadas. E a grosso modo, Lula não é só o PT. Lula é boa parte do Brasil. Então, por que permitir a desconstrução de sua imagem? Por que investigá-lo como a a um reles cidadão comum, se ele não é comum, por ter feitos extraordinários em favor da maioria do povo brasileiro?
A questão é que ao brasileiro mediando pouco interessa se Lula tinha uma Rosemary na sua vida, chefe de gabinete da presidência em São Paulo, fazendo ligações em seu nome, apresentando-se como “namorada”, fazendo ingerências para que seus protegidos fossem indicados em agências nacionais. Ou atuando para que empresas tivessem dívidas perdoadas, para que empresas fossem contratadas. Um mar de ilegalidades.
Para o brasileiro comum essa história do Lula ser investigado por ter autorizado que toda uma máquina se movesse para levantar financiamentos, dinheiro de caixa dois para campanha, para pagamento de dívidas do partido, para custeio de “despesas pessoais do presidente”, é nada, ou quase nada.
Lula está blindado pela admiração do povo brasileiro ao político que ele foi capaz de ser enquanto estava presidente. Provavelmente estará blindado por toda a estrutura de poder que foi capaz de construir não só no legislativo, mas também no judiciário.
É por tudo isso, que mesmo desacreditando na inocência com que o ex-presidente repete que “não sabia”, “ não participou”, e que "é mentira" que fosse de algum modo o Ali Babá desta quadrilha de ladrões, duvido muito que ele chegue a ser investigado.
É que nossa democracia ainda não chegou a este nível de evolução que permita à sociedade brasileira quebrar seu mais precioso espelho. Essa cultura do jeitinho, da vantagem, entranhada no brasileiro é o que blinda seu maior herói. Afinal ele é um pouco como cada um de nós.
O problema é que nem todos estão mais tão pacientes, tão coniventes, tão silenciosos. Embora ainda sejam minoria, os brasileiros que não querem fechar os olhos e os ouvidos para as inconsistências do seu ex-presidente estão por aí, como aquele taxista baiano, indignados. E querendo alguma providência que provavelmente, não virá. A eles tanto quanto a nós, não é mais permitida tanta ingenuidade.
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