Na curva dos 85, o perdão de Siqueira aos Miranda

O governador Siqueira Campos fez 85 anos ontem, quinta-feira, 1o de agosto, com uma declaração que já rende repercussões diversas

 

Disse Siqueira, do alto de meio século e mais de um quarto de vida, que assim como Jesus perdoou Judas, ele perdoa Brito e Marcelo Miranda.

 

É uma frase e tanto. Retrata duas coisas em flagrante evidência: a disposição do Velho Siqueira em virar uma página forte e dolorosa da sua história -  quem o conhece sabe que jamais diria algo assim para fazer marketing – e a visão que ele próprio tem do rompimento: considera-se vítima de uma traição.

 

Resguardada a distância do tempo em que os acontecimentos transcorreram e a distância emocional necessária a qualquer análise da natureza política de uma declaração deste porte, há algumas coisas a considerar.

 

Primeiro, que não houve pedido de perdão.

 

Talvez por que a outra parte -  Marcelo e seu pai, também octogenário  - não considerem ter traído Siqueira. Por tudo que ouvi dos dois, pai e filho, nos últimos anos, a conclusão a que chego é que todos acreditam piamente ter razões suficientes para ter tomado as atitudes que tomaram.

 

Se restou gratidão de um lado (por Siqueira ter de fato usado todo seu poder e influência para eleger Marcelo em 2002) ou reconhecimento de outro  (por tudo que Brito Miranda ajudou a construir nas alianças políticas que conferiram força e organização ao governo Siqueira na virada do século), é uma incógnita.

 

Pano rápido para uma pequena digressão.

 

Assisti a muitos capítulos desta história como jornalista. E outros tantos como candidata a deputada na chapa de Marcelo Miranda em 2002. Faço aqui apenas alguns cortes no tempo para situar o perdão de Siqueira e a frase na qual se compara com Jesus e compara os adversários a Judas.

 

A versão não autorizada

 

Lembro-me de uma entrevista histórica que fiz com o então governador Marcelo Miranda, em primeiro mandato, meses após o distanciamento público e o rompimento com o então ex-governador Siqueira Campos. Nela ele passou por cima dos detalhes e não especificou os motivos reais para o que aconteceu.

 

Disse apenas dever o mandato ao povo. Prometeu fazer um concurso limpo, sem indicações, dando a entender que não era assim que acontecia antes. E negou que tivesse se comprometido a entregar o governo a Eduardo na sua sucessão.

 

A história que corria na rua e nos bastidores era outra, carregada de detalhes. Nela gente da cozinha dos Miranda afirmava que a gota d’água de uma relação desgastada tinha acontecido no hangar do Estado no aeroporto de Palmas.

 

Marcelo já vinha aborrecido por dar ordens a secretários que não as cumpriam antes de consultar o ex-governador por telefone ou pessoalmente. Numa ocasião, um secretario atendeu Siqueira ao telefone enquanto despachava com Marcelo, dentro do gabinete e dele teria recebido ordens sobre o que fazer. Coisas que irritavam Marcelo tanto quanto ser interrompido no meio de um despacho pela chegada de Eduardo Siqueira então Senador, que estava acostumado a usar o elevador privativo.

 

O governo estava dividido em cotas. Era claro e evidente quem eram os secretários da cota de indicações do ex-governador e quem eram os do novo governo. Todos os que tivessem qualquer sinal de serem siqueiristas convictos estavam fadados a ser isolados e quando possível demitidos. O governo Marcelo já tinha começado com o racha em andamento. Seu homem forte era Dorival Roriz.

 

Pois bem, no tal dia no aeroporto Siqueira estava muito aborrecido com Marcelo. O leva e trás da corte de um e de outro sobre o que era dito no Palácio ou na casa do ex-governador já tinha tornado o clima entre os dois insuportável. Quem apaziguava e adiava o rompimento era justamente Brito Miranda. Parêntese: numa conversa muito tempo depois, ele me confirmou que segurou o quanto pode. E mais: disse que quem rompeu foi Siqueira, que parou de falar com ele e atender telefonemas. “No fim eu não aguentava mais ver meu filho sofrendo daquele jeito, não tinha mais como segurar”, me disse o Velho Brito.

 

Voltando ao hangar do Estado.

 

Neste dia, reza a lenda, Siqueira numa crise nervosa teria dado um soco no braço de Marcelo. Quem assistiu a cena relata o constrangimento que veio depois. Era uma agressão física, do ex-governador ao governador de direito. Marcelo queria uma providência imediata dos poucos que assistiram. O impasse ficou no ar: toda a segurança de Marcelo tinha sido herdada de Siqueira. Ninguém se manifestou para fazer qualquer gesto. Deter o ex-governador? Não havia ali homem com esta coragem. Marcelo voltou para casa. Ficou dias deprimido. Começou a trocar seus assessores. E dali em diante foi caminho sem volta.

 

Pano rápido.

 

No final de 2009, fui a casa do então ex-governador acompanhada do vereador Aurismar Cavalcante fazer uma entrevista sobre seus planos de voltar ao governo. Quem comandava o Estado era Carlos Gaguim , após o Rced que cassou Marcelo. Lá escutei muitas histórias e pude ouvir de um Siqueira calmo e tranquilo, um desabafo sobre o rompimento. “Este pessoal conviveu dentro da minha casa por oito anos. Dividiram a minha mesa e voltaram-se contra mim”, disse.

 

O começo da reaproximação de Brito com Siqueira ouvi de outra fonte. É um capítulo interessante desta história, longo demais para ser contado aqui. O que vale a pena ser dito, no entanto, é que Brito estava fora do Tocantins e fora da política, desmotivado e a margem de qualquer processo quando foi resgatado por Siqueira. Marcelo era um deputado estadual sem maior expressão que os outros. Para escolhê-lo candidato a governador Siqueira preteriu Darci Coelho e Raimundo Boi, para ficar em apenas dois nomes.

 

Coisas da história.

 

De volta a 2013

 

Todos os desdobramentos públicos desta história são por demais conhecidos. Siqueira perdeu a eleição em 2006 e cassou Marcelo por abuso do poder político. Portanto, considera que não perdeu: “tive a eleição roubada”. Marcelo elegeu-se senador e perdeu o mandato para Vicentinho Alves por estar inelegível no ato do registro da candidatura, conforme entendeu o TSE.

 

Então, que muda a esta altura, o perdão de Siqueira na história das duas famílias? Só o tempo dirá. O tempo que corre para José Edmar como corre para José Wilson, que ontem fez 85 anos.

 

O poder, com sua força e teia de interesses, corroeu a convivência e a amizade. Haverá tempo para uma reconciliação? Não há como dizer.

 

De prático, o rompimento de Marcelo com Siqueira quebrou em mil pedacinhos o poderio político da antiga União do Tocantins. Até hoje Siqueira responsabiliza seus dois antecessores: Gaguim e Miranda pela situação em que se encontra o Estado. Especialmente pelo inchaço da folha de pagamento e redução na capacidade de investimento.

 

De fato, acredito que Siqueira está caminhando para limpar o coração das antigas mágoas. Ainda que se veja na posição de quem foi injustamente traído. E na comparação que faz, julgue estar mais próximo de Jesus do que é permitido a um político se considerar, por melhores que sejam suas intenções.

 

Não existe Jesus caminhando vivo nesta terra. Muito menos no meio político. Já Judas, existem vários, em todos os campos da atividade humana. Difícil é alguém colocar-se ou admitir-se nesta posição.

 

Sem julgá-lo nas intenções ou nos métodos, do alto dos seus 85 anos, Siqueira de fato demonstra querer fechar sua vida pública em paz consigo mesmo e fazendo o que acredita. Ainda que os resultados não sejam todos os prometidos ou desejados.

 

 

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