Os muitos interesses na greve da Educação em Palmas e a ética de Paulo Freire

Prefeitura e Sintet iniciam negociações para por fim à greve neste dia 15, na sala de reuniões do gabinete do prefeito. Movimento reflete diversos interesses, mas perde o bom senso ao escolher alvo...

A sociedade palmense assiste, mais ou menos apática - dependendo do grau de interesse pessoal no assunto - a greve que se desenrola na Educação do Município de Palmas. O movimento pode caminhar para um desfecho menos danoso a partir da abertura das negociações na manhã desta quinta-feira, 15, dia do professor, no prédio do novo Paço, na Avenida JK.

 

Abre parênteses.

 

Tenho um profundo respeito pelos professores. Filha de professora primária, lá no interior de Goiás, década de 80, foi fazendo substituições de professores em férias que comecei a trabalhar. Isso antes do primeiro emprego com carteira assinada, num jornal. Fiz o curso Técnico em Magistério, passei para Pedagogia na UFG e frequentei a Faculdade de Educação em Goiânia -  contemporânea de Dorinha Seabra Rezende e Kátia Rocha - por tempo suficiente para me apaixonar por Paulo Freire e Marilena Chauí, antes de trocar a Vila Universitária pelo ICHL e o curso de Comunicação. Em Palmas, anos depois, ainda insisti em voltar à Pedagogia nos bancos da Ulbra, para abandonar de vez o curso.

 

Fecha parênteses.

 

É de um amor muito grande, de uma generosidade profunda, quem se habilita a enfrentar uma sala com 40 crianças por um salário base de R$ 1.900,00. Cem reais a menos que o piso de jornalista no Tocantins. 

 

Consciente disso, tenho evitado criticar o movimento grevista, por conhecer de perto a rotina de muitos professores, de fato educadores, que estão nesta lida. Eles têm razão ao pedir pessoas mais preparadas para ajudá-los, ao invés de monitores que não foram capacitados para esta tarefa. E não há quem possa considerar injusto que salas de aula no tórrido calor palmense tenham ar condicionado para dar aos alunos e professores, as condições ideais de ensinar e aprender. 

 

É por este respeito e consciência de que educar é muito mais do que despejar conteúdos, fazer avaliações e treinar alunos para se dar bem em testes, que às vezes me pergunto onde foi parar tudo aquilo que se ouvia nos bancos de faculdade, nos cursos de formação de professores. Aquela paixão de mudar o mundo pela educação. Um professor de quem nunca me esqueci, uma vez, numa aula de História da Educação, resumiu o grande trabalho do educador: ensinar a aprender. A expandir a mente para pensar sem amarras, a auto-educar-se além dos bancos da escola ou da faculdade.

 

Aprender a pensar requer também aprender a respeitar a diferença de pensamento. A divergência. Este exercício diário que separa os brutos dos civilizados.

 

O incômodo de constatar isso - que a distância de um abismo se abriu entre a educação idealizada pelos pensadores e a vivida nas escolas - me ocorreu fortemente na rua, semana passada, ao ouvir as palavras de ordem que um dos líderes do movimento gritava de cima do caminhão de som. “Carlos Amastha/ a culpa é sua/ a aula hoje é na rua”, dizia o mantra repetido por centenas de professores acompanhando o trio do chão. No raciocínio inflamado do jovem professor/líder classista - que me lembrava os adeptos do movimento estudantil dos tempos da abertura - brotava um discurso de ódio contra “o empresário, que como todo empresário só respeita trabalhador quando faz greve”. 

 

Fiquei pensando: que aula é essa? Só se for de conceitos e preconceitos retirados de algum manual desatualizado, que já não serve para explicar as complexas relações da sociedade moderna. Depois fui entender: o rapaz é militante do PSTU, partido nascido de correntes mais radicais dissidentes do PT (que lá não encontram o espaço que julgavam necessário para divergir das correntes majoritárias). A legenda tem como método a realização de greves como ferramenta para “fazer avançar a classe trabalhadora”. 

 

Ao ler o panfleto que recebi na rua,durante a passeata, assinado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação não pude deixar de notar a tentativa de manipulação das frases feitas. Desde a acusação de que a Prefeitura aumentou gastos ao alugar o prédio da JK - quando na verdade diminuiu foi o custo geral com aluguéis das pastas que lá estão abrigadas atualmente - até os argumentos tortos de que a prefeitura gasta com eventos, quando deveria valorizar mais o professor. O que é um pensamento bem limitado. Do tipo: farinha pouca, meu pirão primeiro.

 

Em sua defesa diante da opinião pública, a gestão tem ido à imprensa e divulgado números de que o investimento comprovado em educação no município, está acima dos 27%. Ou seja: mais que os 25% constitucionais e menos que os 30% que o Sintet tem como meta. Mostra também que vem investindo pesadamente em obras de infraestrutura, na reforma de CMEIs, escolas, e na construções de novas unidades em andamento. Prova que melhorou as condições de trabalho em relação à gestão que antecedeu o prefeito atual em quase todos os quesitos objeto de luta do movimento grevista.

 

Em meio a tensão dos últimos dias, a revista Época que circula esta semana joga um balde de água fria no discurso de que a educação em Palmas precarizou: os resultados de um novo índice, criado pelos mesmos pesquisadores que criaram o IDEB, e que começou a medir as condições físicas e de estrutura oferecidas por estados e municípios brasileiros para sua educação. Palmas ficou em quarto lugar entre as capitais brasileiras.

 

Uma posição de destaque, que não pode ser ignorada nem questionada sob o ponto de vista da picuinha política eleitoral local, que se aproxima muito rapidamente e fora de hora deste debate.

 

Não há dúvidas de que há muito ainda que melhorar na educação pública em Palmas. Só que a greve em pleno outubro, com esse discurso e principalmente a postura que se manteve até aqui, soa inoportuna, prejudicial aos alunos da rede e está completamente fora de contexto.

 

Ontem, num reconhecimento de que também errou, exagerou e tensionou ainda mais a corda, a Prefeitura recuou no pedido que tinha feito de prisão do presidente do Sintet na capital. Este, estaria descumprindo ordem judicial embora tivesse conhecimento dela ao mesmo tempo que estaria no comando de ações com objetivo de intimidar e coibir professores que não querem aderir ao movimento. 

 

A greve que tem data marcada para não acabar - dia 20 -  antecedendo à abertura dos Jogos Mundiais Indígenas em Palmas, tem servido até aqui, claramente como um foco de desgaste para a gestão municipal. Que já sofre desgaste natural por conta própria ao tomar diversas decisões impopulares que já abordei neste espaço (pesam esta semana o aumento do preço da refeição no Comunitário e a expansão do estacionamento pago para a zona verde).

 

A questão no entanto me parece merecer discussão maior do que quem lucra ou não com o desgaste antecipado de Amastha, um ano antes das eleições para sua sucessão. Este não é o viés mais importante, já que o prefeito tem máquina e recursos para se defender. Assim como seus adversários têm seus motivos para atacá-lo.

 

O que me preocupa é onde e quando perdeu-se, justo na educação, o bom senso de saber o que é de fato mais importante. O que é prioridade a ponto de merecer uma sensibilização da comunidade e o que é motivo suficiente para merecer uma mobilização de greve.

 

O comando do movimento deixa claro num vídeo que circula nas redes, que quer expor a gestão para a imprensa internacional na abertura dos jogos. Ou seja: definiu um alvo que está acima de qualquer outro objetivo.

 

Nada, nenhuma discussão interna, na conjuntura que vive a Educação em Palmas, justifica o chamamento para que professores integrem um movimento de linchamento da imagem não só da gestão, mas da cidade, na abertura de um evento internacional deste porte. Se chegar a se concretizar, será o ato mais vil e antiético, no mais puro sentido da ética conceituada por Paulo Freire. A ética dos que ensinam com o exemplo, com a prática daquilo em que acreditam.

 

Não é possível que o verdadeiro sentindo de se defender a melhoria das condições de educar crianças na Capital, seja perdido e banalizado no extremo de posições guiadas por manuais de mobilização política da esquerda radical.

 

Sobre a ética que deve guiar educadores relembro para finalizar, as palavras que Paulo Freire tão bem grafou: “Educadores e educandos, não podemos na verdade escapar do rigor da ética (…) Mas é preciso deixar claro que a ética de que falo não é a ética menor, restrita, do mercado, que se curva obediente aos interesses do lucro (…) Falo, pelo contrário, da ética universal do ser humano. Da ética que condena o cinismo do discurso citado acima, que condena a exploração da força de trabalho do ser humano. Que condena acusar por ouvir dizer, falar que alguém disse A sabendo que foi dito B, falsear a verdade, iludir o incauto. Golpear o fraco e o indefeso, soterrar a utopia..Prometer sabendo que não cumprirá a promessa, testemunhar mentirosamente, falar mal dos outros pelo gosto de falar mal. É por esta ética inseparável da prática educativa - independente se trabalhamos com crianças, jovens ou adultos - que devemos lutar. E a melhor maneira de por ela lutar é vivê-la na nossa prática, é testemunhá-la, vivaz aos educandos, na nossa relação com eles”.

 

Que esta lição de Paulo Freire possa lançar um pouco de luz sobre este momento.

 

(Atualizado às 02h11)

Comentários (0)